“A televisão matou a janela”
(Nélson Rodrigues)
O salão nobre estava lotado quando o diretor de criação da filial brasileira da multinacional subiu ao palco. Consagrado. Aquela era sua noite.
Sua agência já tinha ganhado dois Leões – Prata e Bronze – no badalado festival do cinema publicitário francês, com dois belíssimos comerciais. Agora, ele subia mais uma vez a escada para buscar o reluzente Leão de Ouro. Degraus da fama. E da fortuna.
Na festa de encerramento, animadíssima, caiu na farra. Tinha o que comemorar. De fato. Muitas vezes estivera perto de conquistar o mais cobiçado troféu da propaganda mundial, mas perdera. Por isso, ou por aquilo. Não importa. Agora, chegara sua vez.
Permitiu-se tudo a que tinha direito. Fotos, entrevistas, abraços, tapinhas nas costas, sorrisos, bajulações. Coisas que sempre detestara. Encarou a berlinda com visível prazer. Tinha chegado lá.
Na virada da meia-noite, esbarrou numa diretora de criação alemã. Uma deusa. Loucura. Quando viu estava na cama, engalfinhado com a loira, entre beijos, carícias e jatos de champanhe nacional. Francês, lógico.
De madrugada, acordou com a sede dos justos. Nu em pelo, foi até a geladeira da suíte e bebeu no gargalo uma garrafinha de água Perrier bem gelada. Delícia pura.
Depois, mirou o bando de leões em cima da mesinha do quarto. Chegou perto. Teve vontade de urrar para eles. Sorriu com a idéia. Pegou a taça e serviu-se do final da magnífica Dom Perignon. Depois, do maço de cigarros Galoises. Acendeu um. Deu uma tragada longa, quase tão demorada como o tempo que levara para chegar até aquele momento.
Soltava a fumaça em anéis olímpicos, quando ouviu um suspiro leve vindo da cama. A moça havia se mexido e voltara a dormir. Ficou admirando o corpo alvo, perfeito, coberto apenas pela luz da lua, a única testemunha de sua imensa alegria.
Estava fumando outro cigarro, quando caiu na real. Pela primeira vez naquela noite. Finalmente, o velho bom senso dava sinais de vida.
Olhou as nádegas fortes e generosas da mulher, os prêmios que brilhavam, o mar calmo de Cannes à sua frente, e disse baixinho, para si mesmo:
"É, Seu Moura, pra quem nasceu no cu da periferia você já foi longe demais..."
é redator publicitário
e cronista.
É autor de
"Pela Sete - Breves Histórias do Pano Verde"
(2003, Editora Codex),
um mergulho no universo
dos salões de bilhar de São Paulo
e escreve todas as quartas
em LEVA UM CASAQUINHO.
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