O caminho para Águas de São Pedro tem uma parada obrigatória, em Piracicaba, à beira do rio que por ela ondula e dá nome à cidade e a marca de modo característico. É uma cidade que, além de sua terra escura, tem trechos que se parecem muito com Maringá, quando estamos às margens da cidade e a vemos de longe em sua formação de prédios, habitações menores que se mesclam a esses prédios, áreas verdes, plantações agrícolas. Resta-nos, em Maringá, o consolo de ter por perto um tímido Pirapó e um belo Ivaí que ainda não encontrou um gastrônomo que preste para fazer uma parada às suas margens, lá naquela curva depois de Floresta, que faça um peixe merecedor de quem viaje por lá.
Digo isso porque a margem esquerda do Piracicaba foi ocupada por restaurantes e bares cuja vocação gastronômica é peixe assado na brasa, que se saboreia de olho na água barrenta e lenta do rio, ainda que os peixes já não venham dali... O Piracicaba já foi muito poluído, mas é crescente sua recuperação e se o calor nos coloca em letargia olhando o leito do rio, já há peixes alegres saltando para acordar os observadores. Talvez sua alegria se dê ao fato de que eles também são turistas e selvagens pois estão apenas de passagem e saltam para olhar os “peixes com olhar de peixe morto” sentados abobados de beber cerveja nos restaurantes...
Mas esses peixes livres podem estar felizes também porque nunca chegarão fritos àquelas mesas, pois os restaurantes servem espécies de cativeiro, amestradas e conformadas para compensar a destruição da natureza impetrada pela vida urbana e agronômica sem critérios que se espalhou e se espalha por este país. Quem relaxa olhando o rio deixa o espírito se ir com os peixes e a água, em sua lentidão em direção à enorme Represa Água Bonita, que deixa de ter a cor barrenta para ganhar tons de verde e azul escuro, já impregnada de vida e transformada em área de lazer para pesca não predatória e passeios.
Saindo de Águas de São Pedro por uma dessas estradinhas interioranas, em direção à Rodovia Castelo Branco, segue-se até passar por um trecho do Rio Piracicaba e pelas margens da represa. Num desses locais a exploração de areia é intensa e gera montanhas de refugos de pedras de rio, que se amontoam à beira da rodovia, depois de selecionadas em parte para decorações artificiosas de mansões de gosto duvidoso (há quem as envernize).
Como um Marcovaldo, um personagem de Ítalo Calvino, parei imediatamente o carro e rapidamente deixei de observar a paisagem para me perder no estudo das pedras, observando seus tamanhos, formas circulares perfeitas ou parecidas com ovos de pássaros de todos os tamanhos, de uma simples tiziu a uma avestruz, como se de cima de todos aqueles ovos chocados até a crueza do endurecimento tivesse voado de uma só vez um imenso bando de aves para uma paisagem de espanto.
[publicado originalmente em 05/03/2009]
Ademir Demarchi é santista de Maringá, no Paraná,
onde nasceu em 7 de Abril de 1960.
Além de poeta, cronista e tradutor,
é editor da prestigiada revista BABEL.
Possui diversos livros publicados.
Seus poemas estão reunidos em "Pirão de Sereia"
e suas crônicas em "Siri Na Lata",
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