Pela necessidade de praticar exercícios, em vez de correr na praia como todo mundo faz em Santos, prefiro subir montanha. Bom, ainda que seja uma extensão da Serra do Mar, por serem habitados, todos os chamam de morros. Há vários na região e alguns correspondem à fama carioca de serem lugar de favelas e de traficantes, respondendo ao modelo de urbanização brasileira que expulsa moradores mais pobres para as periferias das cidades.
Como no Rio, os morros aqui são invadidos e ocupados desordenadamente, sendo foco de preocupação constante da Defesa Civil. Meu preferido fica na divisa de Santos com São Vicente e a caminhada até seu topo vai até uma pista de voos de asas delta e parapentes. O lugar é também um ninho de antenas de tevês e rádios, cada vez mais altas. Há uns 18 anos que subo aquele morro, o que já deu para notar muitas diferenças com o tempo passando. Uma delas foi que as asas deltas, antes rainhas do lugar, pararam de ser usadas, aposentadas pelos “paragliders”, atualmente chamados parapentes, que passaram a ser dominantes pela facilidade de carregar, montar e sair voando com rapidez sobre a vista da baía de Santos de um lado e a Serra do Mar de outro.
Cada caminhada é diferente e nunca se sabe o que se vai encontrar pelo caminho. De gente a passarinho. A cada caminhada confiro as manchetes dos jornais na banca do Zé, um cara muito tranquilo, ainda mais depois que se casou com a portuguesinha que trabalha na esquina administrando a loja de cinefoto do pai que, com ela, passou pelas transformações impostas pela aposentadoria da película para a ascensão digital.
Comecei a subida desviando de uma novidade, uma longa calçada demolida. Por um tempo ela ia ficar livre dos habituais montes de fezes dos cães que vivem soltos e molengas nessa região. São, de fato, preguiçosos, pois o ar rural que esse trecho tem faz deles vira-latas pacíficos e sonolentos, cada vez mais afetados na medida em que mais alto se chega, não pela altitude, mas pela ruralidade total do lugar.
Já no alto, num ponto final do transporte feito por perua de lotação, um motorista que esperava pelo horário de sair perguntou a um velho que fazia hora como estava sua plantação. Não está dando nada, disse ele, mas o pé de maconha vai bem. Um real a folha, disse rindo-se. Quando se caminha, é impossível ouvir conversas inteiras. De modo que o comentário de outro que começou a falar de alguém que havia plantado um pé da erva dentro do apartamento foi ficando para trás, com os olhos e os ouvidos sendo tomados por outros eventos. Poucos passos depois minha atenção já estava toda voltada para os movimentos de um tiê sangue de penugens encantadoras que saltava de uma pequena árvore para os fios de telefone.
[publicado originalmente em 09/04/2009]
Ademir Demarchi é santista de Maringá, no Paraná,
onde nasceu em 7 de Abril de 1960.
Além de poeta, cronista e tradutor,
é editor da prestigiada revista BABEL.
Possui diversos livros publicados.
Seus poemas estão reunidos em "Pirão de Sereia"
e suas crônicas em "Siri Na Lata",
ambos publicados pela Realejo Livros e Edições.
(basta clicar nos nomes para ser enviado
ao website da editora)
No comments:
Post a Comment