Como turista em Maringá, entrei num ônibus na Vila Morangueira com direção ao Centro. Distraído, pensava por que raios aquele lugar recebeu o nome de Morangueira com nomes de ruas de países e capitais da América Latina, como Caracas, onde morei por dezoito anos. Por que o bairro não se chamava América? Seria porque havia morangos ali? Pés de abóbora do moranga? Foi com essa divagação que tirei o dinheiro e ofereci ao motorista para pagar a passagem, como em outras vezes meses antes. Eis que em vez da novidade de um morango, uma abóbora ou uma cucaracha hispânica o motorista me disse que não podia receber, agora só se usava cartão. “Visa?” “Não, da empresa.” Certo, disse eu, e perguntei onde é que podia pagar a passagem ou comprar o tal cartão? No terminal, lá no Centro, disse ele. Está bem, se não há outro jeito... Ele disse “você pode pedir para alguém aí que o povo tem créditos em cartão e vende passagem”. “Lá no terminal também, mais barato”. Olhei em volta e para o interior do ônibus pensando em comprar de alguém a passagem, todos lá com seus problemas, mas achei um despropósito. O ônibus seguiu e com ele meus pensamentos, já bem distantes da divagação inicial, pois estava me dando conta que precisava descer bem antes do terminal e que seria um absurdo ter que ir até o caixa da empresa para atender ao seu capricho, pagar a passagem e voltar a pé um bom trecho. Comecei a prestar atenção naquele cubículo antes da roleta, onde se apinhava além do motorista e eu, mais um jovem com dinheiro na mão, aflito para pagar a passagem e não poder e, no banco e na frente dele, duas senhoras, uma na terceira idade e outra já lá pela quarta, mas ambas muito falantes e cheias de opinião. Uma delas, a que estava sentada e que, não sei se pela sapiência ou pela idade avançada que lhe possibilitou a experiência, falava revoltada contra o sistema de transporte. E dizia que “culpado é esse povo, que aceita tudo”. “E os vereadores, onde andam que não fiscalizam isso?”, dizia a outra. “Ah eles devem ter recebido um combustível da empresa, assim como o prefeito, afinal aqui não tem Petrobrás, então o petróleo sai desses ônibus...” Então me lembrei de anos antes, quando o espertalhão do Ricardo Barros fez campanha prometendo que ia fazer uma concorrência para trocar de empresa de ônibus na cidade. Tendo sido eleito com essa promessa, assisti sua primeira coletiva de imprensa, lá no salão nada nobre do Paço, quando, diante de jornalistas e vários munícipes, ele, ao lado dos representantes da velha empresa, comunicavam com cara da única peroba que não está em extinção que a nova empresa era a velha e que o sistema de transporte é que seria novo com a implantação de um terminal central que baratearia a passagem. Ah tá, esse terminal horroroso, que todos viemos a conhecer e essa passagem que custa um dólar... Como negar que a velha não estava com a razão? Pois ela continuava lá, rangendo: “Cadê o PT que se diz oposição nesta cidade?” “Ninguém vai no Ministério Público?” “Ah, os juízes também não fazem nada, estão preocupados em ganhar um aumento de 70% nos salários...” “Que absurdo isso, este povo parece um bando de ovelhas tosquiadas, esses maringaenses não são de nada...” Antes que a velha morresse de indignação e velhice ali na minha frente o lugar de descer chegou, então, em respeito a ela e à lã negra que ainda não me tosquiaram, disse ao motorista que abrisse a porta pois eu precisava descer. Avisei que não pagaria a passagem pois se a empresa, desrespeitando a lei se achava no direito de não colocar postos de venda ou formas acessíveis de pagamento, me dava o direito de não pagar. O motorista, fazendo um gesto de enfado para o alto com ambas as mãos, deu a entender que estava com o saco cheio disso e de ouvir reclamação de usuário e que a função dele ali era dirigir o ônibus e abrir e fechar portas. E foi o que fez, abriu e eu saí sem pagar, agora já com nova divagação em que me perguntava o que teria feito o jovenzinho com dinheiro na mão e o que teriam falado aquelas senhoras?
Ademir Demarchi é santista de Maringá, no Paraná,
onde nasceu em 7 de Abril de 1960.
Além de poeta, cronista e tradutor,
é editor da prestigiada revista BABEL.
Possui diversos livros publicados.
Seus poemas estão reunidos em "Pirão de Sereia"
e suas crônicas em "Siri Na Lata",
ambos publicados pela Realejo Edições.
Suas crônicas, que saem semanalmente
no Diário do Norte do Paraná, de Maringá,
passam a ser publicadas todas as quintas
aqui em Leva Um Casaquinho
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