por Carlos Cirne
para Colunas & Notas
Cinebiografias sempre correm alguns calculados riscos. Sejam laudatórias ou não, podem enaltecer ou detratar seus objetos de observação. No caso de Elis Regina, tristemente desaparecida num relativamente recente passado (19 de janeiro de 1982), os pontos de contato ainda são muito claros para grande parte do público e isso pode ser uma faca de dois gumes.
Para os “muito” fãs, o filme pode resultar num constante exercício de observação, sobre qual interpretação está ou não próxima da personagem real. Neste caso, um exercício recompensante, seja na figura da protagonista, Andréia Horta, que compõe uma Elis muito próxima da figura oficial da cantora; seja em alguns dos coadjuvantes (quem não seria coadjuvante, próximo a Elis?), como Gustavo Machado, o charmoso cafajeste Ronaldo Bôscoli, Rodrigo Pandolfo como Nelson Motta, ou Caco Ciocler emulando com muita propriedade a César Camargo Mariano, ou ainda o impressionante (e irreconhecível) Júlio Andrade como Lennie Dale, certamente a melhor caracterização do filme.
Porém, para quem não tem um conhecimento muito vasto da carreira da maior cantora que este país já conheceu, o roteiro – de Luiz Bolognesi, Hugo Prata e Vera Egito –, na necessidade de resumir em 110 minutos uma das mais expressivas e controversas carreiras da Música Popular Brasileira, pode ter deixado de lado algumas características preponderantes que acabaram forjando a “Pimentinha”. Estão ali, claramente, a obstinação e persistência, o natural apuro técnico e a absoluta falta de censura nas observações pessoais – que, inclusive, lhe renderam algumas situações muito dramáticas -, mas certamente faltaram algumas características como a solidariedade que, aliada ao extremo profissionalismo, a colocava sempre em luta por seus companheiros músicos e intérpretes; e a incomparável técnica musical, que literalmente enlouquecia bateristas pelo mundo afora; além da capacidade de perscrutar o novo (capacidade esta, herdada pela filha, a também cantora Maria Rita), e lançar, a cada novo disco, emblemáticas figuras da música brasileira, como Milton Nascimento, Renato Teixeira, Belchior, João Bosco e Aldir Blanc, e Ivan Lins, só para citar alguns que tiveram um grande empurrão nas carreiras graças às interpretações de Elis (característica meramente esboçada no filme).
Resta ainda a frágil e insegura menina que, em pleno 1º de abril de 1964 (a real data do golpe militar brasileiro) foi jogada às feras chegando ao Rio de Janeiro vinda de Porto Alegre, acompanhada apenas do pai, Seu Romeu (Zé Carlos Machado), e de uma absurda voz em tão pequena embalagem, e que constantemente se colocava em polêmicas com a imprensa e seus colegas artistas. De opiniões fortes, não se esquivava de uma boa briga. E carregava muitas cicatrizes por isso.
No quesito musical, o filme toma a acertada decisão de usar o playback com a boa dublagem de Andréia Horta, com algumas das mais memoráveis interpretações de Elis, incluído a belíssima cena acompanhada da canção “Atrás da Porta” (mais icônica, impossível), e a (boa) surpresa com a inclusão de uma das únicas canções de Caetano Veloso interpretadas por Elis (e a explicação, pouco conhecida, pela gravação), que é a deliciosa “Cinema Olímpia”. Obviamente, não faltam “Arrastão” (numa boa reprodução do primeiro Festival de MPB, na TV Excelsior), “Fascinação” e, é claro, “O Bêbado e a Equilibrista”. E a versão roqueira, com “Como Nossos Pais”. Ou seja, uma Elis para cada gosto. E para todos. Experimente
ELIS
(2016 – 110 minutos)
Direção
Hugo Prata
Elenco
Andréia Horta
Gustavo Machado
Caco Ciocler
Lúcio Mauro Filho
Júlio Andrade
Zé Carlos Machado
Rodrigo Pandolfo
Ícaro Silva
Cesar Troncoso
Isabel Wilker
Eucir de Souza
em cartaz nas Redes Roxy e Cinemark
No comments:
Post a Comment