Muitos dos americanos não perderam o gosto de matar animais a tiros, mesmo depois de terem acabado com a fauna de bisões e de índios, transformando em heróis os “desbravadores” do Oeste ou generais como Custer, que aprendemos a admirar nos bangue-bangues urdidos pela indústria de Hollywood. Os que não se enquadram na vida de trabalho rotineira viram mercenários em áreas de conflito ou acham uma vaguinha no exército para dar tiros nos bandidos da vez, tal como já foi com os vietnamitas e agora se dá com os árabes, por motivação econômica. É de tal modo sistêmico de sua cultura que dá para generalizar, tal como faço. Ainda bem que isso já não é mais um fato preponderante, pois há um imenso contingente de pessoas que se estarrece com a violência, provavelmente sensibilizadas por tanto desenho animado que aquele país fabrica, ainda que se possa dizer o contrário em relação à quantidade de filmes e games de violência que também possa ter motivado isso. O fato é que o assassinato de Cecil, o leão símbolo do Zimbábue, por um dentista da Flórida, personificou um outro tipo de caçador, o do homem bem sucedido nas finanças que busca distração na caça. Isso é rotina, tanto que depois desse leão apareceram várias fotos de outros animais abatidos por ele, assim como há inúmeros outros caçadores. Desta vez, porém, como esse dentista buscou um troféu maior, matou um leão amado pelas pessoas e por cientistas que o tinham como foco de pesquisa. O resultado foi um tiro no pé, pois desapareceram os dentes para arrancar, o dentista teve que aposentar o boticão, fechar a clínica e fugir, assim como sua casa de um milhão de dólares, fechada, foi pixada e nela jogaram vários pés de porco sangrentos. Para amenizar a BBC publicou esta semana a notícia de dois outros americanos que deram tiros errados em tatu e a bala ricocheteou. Um, atirando no bicho, se autobaleou na mandíbula. Nada se ficou sabendo do tatu que devolveu para ele a bala. O outro, no ricochete, acertou a sogra. O tatu morreu. Quer dizer, o bicho, pois a sogra só se feriu. Aqui no Brasil o mato é maior e a gente nem fica sabendo das patetices que acontecem, a não ser quando acertam um leão como Chico Mendes ou a Dorothy Stang, com a diferença que pouco acontece com quem dá os tiros. O fato é que parece que estão mudando os hábitos dos caçadores nacionais, agora personificados em juízes e policiais federais que se vestem de negro e têm se especializado em caçar pixulecos. Pixuleco? Ah, é um bicho aí, que se esconde em lugares tão improváveis como cuecas, carrões com tração nas quatro rodas, casas da dinda, helicópteros sem dono ou o pó indeterminado que eles carregam, enfim, o pixuleco é um monstro que em geral é verde mas sobretudo é mutante, daí que é difícil de pegar. Como ele usa hospedeiros, os caçadores têm se especializado em pegá-los, pois, quando apertados de forma correta, como se faz com bichos de pelúcia, ou seja, sem lhes tirar o conforto, proporcionando uma gaiola almofadada, dão umas risadinhas amarelas e começam a falar de um tal jeito que os caçadores acabam encontrando muitos outros pixulecos e a coisa não acaba nunca. Dizem que foi assim no tempo da ditatura, porém sem almofadas. Como aquele caçador lá da Flórida, os daqui estão em busca do Cecil tropical, uma espécie de leão do Zimbábue de juba negra mas já meio grisalha, um monstro sagrado, o Santo Graal do pixuleco. Se aqui fosse a Inglaterra ia ter uma bolsa de apostas. Depois iam entrevistar o chefe dos caçadores e ele ia dizer tal como o Theo, o guia do dentista, sugerindo que está na hora de outro leão mais jovem e mais reprodutivo de pixulecos ocupar o trono: “Fui contratado por um cliente para organizar uma caçada para ele e disparamos contra um leão macho velho, que, para mim, superou sua idade reprodutiva, e acho que não fiz nada de ruim”.
Ademir Demarchi é santista de Maringá, no Paraná,
onde nasceu em 7 de Abril de 1960.
Além de poeta, cronista e tradutor,
é editor da prestigiada revista BABEL.
Possui diversos livros publicados.
Seus poemas estão reunidos em "Pirão de Sereia"
e suas crônicas em "Siri Na Lata",
ambos publicados pela Realejo Edições.
Suas crônicas, que saem semanalmente
no Diário do Norte do Paraná, de Maringá,
são publicadas todas as quintas
aqui em Leva Um Casaquinho
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