por Chico Marques
Depressão é um tema que sempre atraí público aos cinemas. Por diversos motivos. A incidência cada vez maior de depressivos na vida urbana é um deles. O posicionamento equivocado de muitos depressivos em relação à própria doença é outro. Ao invés de procurar um psiquiatra, muitos apelam para literatura de auto-ajuda, achando que vai adiantar alguma coisa. Outros, avessos à leitura, apelam para filmes como esse.
“Em Um Pátio De Paris” não pretende ser uma panacéia para confortar depressivos. Mas é uma comédia sentimental tão bem realizada que pode até ter algum efeito terapêutico. É o oitavo longa de Pierre Salvadori, diretor e roteirista bem conhecido do público brasileiro por “Amar... Não Tem Preço” e “Uma Doce Mentira” -- ambos muito bem acolhidos nos cinemas e também no mercado de home-vídeo.
Antoine (Gustave Kervern) é um cantor de rock que abandona abruptamente sua banda e, em meio a uma crise depressiva, vai trabalhar como zelador num prédio antigo em Paris, recheado de moradores um tanto quanto pitorescos.
Mathilde (Catherine Deneuve) é uma das moradoras do prédio. Recém-aposentada, ela perde o rumo de sua sanidade mental quando vê uma rachadura na parede de seu apartamento e começa a achar que o prédio todo vai desabar.
Pouco a pouco, em conversas que acontecem no pátio do prédio, onde há um belo jardim, Antoine e Mathilde vão descobrindo uma estranha sintonia, e -- graças ao esgotamento mental que ambos estão vivendo, e apesar das diferenças sociais e etárias entre os dois -- acaba surgindo um romance altamente improvável, mas extremamente verdadeiro.
“Em Um Pátio De Paris” é muito habilidoso nas variações de tom e no manejo da comédia. Às vezes, a comédia vem fácil. Outras vezes, vem por caminhos meio tortos. Foi essa a maneira que Pierre Salvadori escolheu para mergulhar no cotidiano desses personagens tão debilitados pelos altos e baixos da depressão. Escolha acertadíssima, diga-se de passagem. Além do mais, com um time explêndido de atores como o que Salvadori reuniu neste projeto, metade do trabalho já estava feito antes mesmo de começar a rodar o filme.
Gustave Kervern é um ator magnífico, um dos mais vibrantes do cinema francês atual. Aqui, como Antoine, ele brilha num papel em tom menor, e revela só no olhar, com um mínimo de gestual, todas as nuances que seu personagem requer. Uma performance notável.
Catherine Deneuve, desnecessário dizer, está fantástica como Mathilde: às vezes soturna, outras vezes delicada, às vezes repulsiva, outras vezes terna. Ela consegue passear pela inconstância de sua personagem com uma nonchalance impecável. Por muitos anos, a simples presença dela no elenco de qualquer filme já era uma bênção, tamanho seu encanto pessoal. Mas o fato é que ela sempre soube esconder bem por trás deste encanto pessoal as suas limitações como atriz. Com o passar do tempo, no entanto, a qualidade de suas performances melhorou sensivelmente -- graças, principalmente, ao diretor e grande amigo André Téchine, que sempre exigiu muito dela sempre que trabalhavam juntos. Hoje, pode-se dizer que a grande estrela Catherine Deneuve virou uma grande atriz.
O roteiro do filme, propositadamente meio desconjuntado é, na verdade, um ardil do qual Pierre Salvadori fez uso para deixar a narrativa mais próxima da inconstância de seus personagens. Em filmes americanos, algo assim seria visto como um defeito. Na França, é recurso estilístico. Funciona bem em alguns momentos, e não tão bem em outros. Mas pouco importa. É ousado. E ousadias são sempre bem-vindas.
Importante mesmo é que o filme consegue abordar a depressão com a seriedade que o tema merece, mas também como ponto de partida para situações bem humoradas.
“Em Um Pátio De Paris” não é -- e nem pretende ser -- um grande filme. Mas é entretenimento adulto de altíssimo gabarito.
E acreditem: não há nada melhor em cartaz nos cinemas da cidade nesta semana, portanto... não percam!
EM UM PÁTIO DE PARIS
Dans La Cour
(2014 – 97 minutos)
Direção e Roteiro
Pierre Salvadori
Elenco
Catherine Deneuve
Gustave Kervern
Féodor Atkine
Pio Marmaï
Michèle Moretti
Nicolas Bouchaud
Em cartaz no Cinespaço Miramar
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