Costumo visitar Portugal sempre que posso. Sou neto de libaneses, mas minha mulher, a Ana, é filha de portugueses e mantém relações com parte da família que está lá, na jangada de pedra. Adoro conversar com os portugueses, ouvir seus causos e me divertir com a lógica reta dos patrícios.
Numa das viagens visitamos a cidade do Porto, mais ao norte do país. Ao contrário de Lisboa, luminosa e alegre, o Porto é dramaticamente linda, com grandes edificações que fazem sombras góticas nos passantes.
Pratiquei um dos meus maiores vícios, nessa e em qualquer viagem, que é conhecer livrarias em cada canto visitado. Vi uma especializada em gastronomia, vi sebos e, claro, lojas da rede Bertrand, das maiores de Portugal.
Mas foi na Livraria Lello que tive uma grande emoção e um bom bate-papo.
Primeiro, à emoção: quando vi a fachada, que parece um castelo, já me preparei para ter uma experiência rica numa livraria especial.
Mas quando entrei e olhei em volta tive uma emoção que vou tentar dividir com vocês.
A livraria antiga – soube que soma mais de 200 anos –, com uma escada vermelha de quatro acessos, prateleiras apinhadas de livros até o teto e com um vagonete de madeira guiado por trilhos que levam os livros de lá pra cá pelos corredores, me passou uma sensação de perenidade.
Bati os olhos nas estantes antigas, recheadas de livros novos, e senti o tempo passar, 200 anos em 2 segundos.
Minha mulher me sacudiu, disse que eu estava branco, me puxou pela escada acima para um café da Lello e eu fui, sem notar direito o que ela falava.
Depois do café e de algumas fotos – muito gostoso ser turista, a gente pode se exceder um pouco! – descemos e comecei a olhar mais o estoque. Ao pé da escada notei dois totens de papelão, um enorme do Paulo Coelho e um menorzinho do Fernando Pessoa. Não me contive e soltei um comentário para o distinto e engravatado livreiro: “Até aqui em Portugal, e ainda com mais destaque do que o Pessoa?”
Aguardava o comentário do futuro amigo e ele não demorou a fazê-lo: “Vocês, brasileiros, só conhecem o Pessoa mesmo. Adoro o Paulo Coelho!”
Opa, comentário inusitado, a minha intervenção engraçadinha não funcionou. Voltei para meu primeiro comentário, já inseguro. “Mas precisava ser maior o totem do mago?” E ele devolveu: “Paulo é um grande autor, além de um bom amigo. Pronto, me compliquei”.
O livreiro me contou sobre sua relação com o nosso best-seller global e o respeito que tem por ele. Gostei de uma passagem em especial, na qual os poderes do mago realmente se manifestaram.
O livreiro me disse que, em uma feira de Frankfurt, Paulo Coelho dava pencas de autógrafos para uma enorme bicha, ou fila, como quiserem. Quando notava que a fila diminuía, aumentava o autógrafo, quando engrossava, rabiscava o jamegão à jato.
Vamos respeitar o mago!
José Luiz Tahan, 41, é livreiro e editor.
Dono da Realejo Livros e Edições em Santos, SP,
gosta de ser chamado de "livreiro",
pois acha mais específico do que
"empresário" ou "comerciante",
ainda mais porque gosta de pensar o livro
ao mesmo tempo como obra de arte e produto.
Nas horas vagas, transforma-se
no blues-shouter Big Joe Tahan.
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