por Carlos Cirne para COLUNAS E NOTAS
O título do documentário “Últimas Conversas”, em cartaz depois de sua estreia no festival “É Tudo Verdade” deste ano, tem um óbvio duplo sentido: tratam-se das últimas entrevistas realizadas por Eduardo Coutinho – o grande documentarista brasileiro que teve a vida abreviada de maneira tão trágica em fevereiro de 2014 – para um filme sobre adolescentes frente ao sistema de ensino secundário no Rio de Janeiro, e também trazem a público as derradeiras imagens deste mago do cinema documental, o que não é pouco, na medida em que ele não costumava aparecer em seus próprios filmes (quando muito, ouvia-se sua voz ao fundo, durante alguma entrevista).
E este é o verdadeiro bônus de “Últimas Conversas”: nos permitir um relance sobre o processo produtivo do mestre Coutinho. E é bastante curioso perceber-se o desconforto experimentado por ele quando da realização destas imagens. Coutinho não estava satisfeito, não com o resultado das imagens, mas sim com a realização de um documentário tendo como assunto “adolescentes”.
Segundo ele, o adolescente, imprevisível, ainda não tinha uma memória a ser explorada, mas já tinha certa predisposição, um amoldamento a situações e convenções, que acabava tornando a entrevista de alguma maneira não-natural. E percebe-se que, em alguns casos, ele mesmo é pego de surpresa, na medida em que as respostas que recebe dos entrevistados acabam não sendo tão padronizadas como esperava.
O acesso a este material – que não foi finalizado por Coutinho, obviamente – é possível graças à intervenção de Jordana Berg, editora que é colaboradora de Coutinho de longa data, e à finalização de outro cineasta que tem no documentário a base de todo seu trabalho, seja como roteirista ou como diretor, João Moreira Salles, autor de “Santiago” (2007) e “Nelson Freire” (2003), entre outros.
O resultado – agridoce – permite que se conheça um pouco do processo de trabalho de Eduardo Coutinho, da maneira como instigava o entrevistado até alcançar respostas surpreendentes, via de regra carregadas de uma insuspeita emoção – talvez o maior exemplo disso seja o deslumbrante “Jogo de Cena” (2007).
Por outro lado, consegue nos deixar com uma grande sensação de logro, ao não se poder ver como Coutinho driblaria sua angústia frente ao assunto com o qual não estava lidando bem. Afinal, ele mesmo conta que já havia até entregado um filme diferente do prometido, mas jamais um em que não acreditasse. É impossível recuperar a fé, afirma.
ÚLTIMAS CONVERSAS
(2015 – 85 minutos)
Direção
Eduardo Coutinho
(finalizado por João Moreira Salles)
Em cartaz no Cinespaço Shopping Miramar - Santos SP
Sessões às 15h30 e 19 horas
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