Tuesday, August 4, 2015

À LUZ DE GIANETTI (por José Luiz Tahan)


Uma curiosidade que se manifesta em alguns escritores com quem convivo: vários não dirigem.

 Alguns guiam, mas não gostam. 

Outros nem isso. 

Parece que não combinam com a desenvoltura ao volante, são distraídos e adoram trocar idéias que ziguezagueiam tanto quanto o carro.

Lá na minha livraria uma das mais importantes atividades é a de levar escritores para realizar encontros à beira-mar, em Santos. 

Boa parte destas experiências é o combustível que incendeia estes artigos de memória, que se transformam nestas passagens.


Estava agendando com um já amigo, o filósofo e economista Eduardo Giannetti, autor de AUTO-ENGANO e FELICIDADE, ambos da Companhia das Letras, um bate-papo com o público para discutir as idéias em torno de seu livro, O VALOR DO AMANHÃ.

Nesta obra, o filósofo discorre sobre dois tipos principais que povoam a humanidade no novo e no velho mundo: o homem devedor e o homem credor. 

O brasileiro claramente se comporta como devedor, preferindo usufruir dos prazeres agora para arrumar a casa (e as contas) depois. 

Já no velho continente o comportamento é de maior tolerância. 

Abre-se mão agora para mais tarde colher os bons frutos deste planejamento.
Giannetti desmembra em muitos caminhos e aspectos esta relação do tempo com a economia, numa obra que deseja ser um clássico no futuro.


Mandei o carro para São Paulo (grande Correa, o taxista e personagem!) e achei interessante subir junto (para quem não é dessas bandas, explico: quando um santista vai a São Paulo, ele diz que vai subir porque sobe a Serra do Mar e depois desce pra Santos, claro). 

Pensei num plano que acabaria com dois problemas. 

Resolveria o fato de não ter conseguido terminar a leitura do livro (fiz um cálculo e achei que em duas horas venceria as 50 últimas páginas de um total de quase 400) e voltaria discutindo as passagens com o autor, já estipulando caminhos e pautas para a mediação que faria com escritor e a platéia santista.

Fui disciplinado, sentei no banco traseiro de boca fechada e mergulhei no delicioso ensaio. 

Chegamos ao destino mas ainda faltavam umas páginas. 

A noite caía depressa. 

Caminhei até a porta do sobrado, havia uma luminária bem na entrada. 

Me arrumei no foco da luz e terminei a leitura ali mesmo, na porta, do lado de fora. 

Terminada a leitura, toquei a campanhia, cumprimentei com alegria o meu convidado. 

Descemos a serra numa animada conversa, que começou no carro e terminou no palco do auditório na cidade de Santos. 

Que correria, mas missão cumprida!



José Luiz Tahan, 41, é livreiro e editor.
 Dono da Realejo Livros e Edições em Santos, SP,
 gosta de ser chamado de "livreiro",
 pois acha mais específico do que
 "empresário" ou "comerciante",
 ainda mais porque gosta de pensar o livro
 ao mesmo tempo como obra de arte e produto.
 Nas horas vagas, transforma-se
 no blues-shouter Big Joe Tahan.

(a ilustração acima é do Seri)



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