por Guido Bilharinho
O fracasso do grande projeto da Companhia Cinematográfica Vera Cruz derivou de vários fatores, conforme expostos e exaustivamente debatidos desde então. Nunca é por demais repetir que um deles, talvez o mais importante – e que persiste agravado até hoje (e até quando?) – é a circunstância da distribuição dos filmes produzidos pela Companhia estar afeta a empresas estadunidenses. Conquanto elas também tirem proveito do êxito comercial dos filmes que distribuem, seu maior, fundamental e permanente interesse é com sua própria produção nacional, pelo que limitam a propagação de filmes brasileiros, atrasando, inclusive, os repasses à Vera Cruz, conforme consta.
É sabido que o lucro fabuloso do êxito de O Cangaceiro (1953), de Vítor Lima Barreto, ficou, na sua quase totalidade, para a distribuidora, não por acaso ianque. O próprio diretor nem teve mais condições, ao menos razoáveis, para realizar outros filmes.
Assim, não por acaso também, foi americana a distribuidora de Floradas na Serra (1954), de Luciano Salce (Roma/Itália, 1922-1989), êxito de crítica e de público, o que é raro. Não de toda crítica, porém, nem de todo público. O fato de o diretor ser estrangeiro e, portanto, não afeito e ambientado à realidade brasileira, não o impediu de realizar um dos mais significativos filmes nacionais.
Com base no romance homônimo de Dinah Silveira de Queirós, Salce imprime ao drama da heroína a conotação universal que toda problemática humana contém, por mais situada e condicionada seja.
A nada simples estória centralizada em poucas personagens em clínica para tratamento de tuberculosos articula-se em torno de duplo eixo: a doença e o amor surgido entre dois pacientes. O entrelaçamento desses fios ficcionais é eficaz.
Mas, o que avulta, sobressai, centra e concentra a ação e seu significado é esse enastramento, seu desenvolvimento, aprofundamento e desenlace.
Iniciado timidamente, num simples bar à beira de estação ferroviária, cujo ambiente e enquadramento das personagens recorda certas cenas de Orson Welles, o relacionamento entre os protagonistas cresce pouco a pouco e é tratado com parcimônia e sensibilidade, fluindo os acontecimentos com naturalidade e segurança, vencendo, com pertinência e propósito, as etapas conducentes ao clímax e ao desfecho esperado, tal a propriedade de condução e concatenação dos citados fios ficcionais.
A sutileza no tratamento do drama só encontra paralelo no equilíbrio e firmeza com que o cineasta o articula, nuançando-o cuidadosamente com reações humanas carregadas de legitimidade, compondo o quadro geral da situação com requintada ênfase no detalhamento reativo cotidiano das personagens, suas manifestações e atitudes.
A concentração dramática é adequadamente efetuada e conduzida, apresentando-se a problemática emocional e física dos protagonistas e das personagens que as rodeiam de maneira completa, com todos os elementos indispensáveis ao conhecimento e acompanhamento do drama que se desenrola na tela.
O ambiente da clínica e a vinculação médico-paciente e entre estes merecem também de Salce o mesmo e cuidadoso planejamento concedido ao drama central, mercê não só do persistente ritmo de seu encaminhamento como também da pertinência da seleção dos fatos e incidentes que os compõem e impulsionam.
A tudo é dado desenvolvimento e enfoque humano universalizante, extraindo-se da situação, e exibindo-os, apenas os elementos essenciais.
Por sua vez, a ambientação interna e as locações externas da exuberante paisagem seguem a mesma orientação, compondo belo painel contrastante com os dramas angustiosos de condição fisicamente fragilizada.
Todavia, o ponto alto do filme – e um dos mais relevantes do cinema – é a criação da protagonista, de grande e impressionante autenticidade e dignidade, assumindo seus atos, gestos, movimentos e expressões a contextura concreta de realidade palpável e não apenas observável à distância, na tela, encarnada por uma das maiores atrizes do cinema, a legendária Cacilda Becker, numa de suas melhores interpretações.
FLORADAS NA SERRA
(1954 - 100 minutos)
Direção
Luciano Salce
Roteiro
Fábio Carpi
Elenco
Cacilda Becker
Jardel Filho
Ilka Soares
John Herbert
Célia Helena
Miro Cerni
Rubens Costa
Ao final da exibição,
um breve debate com os curadores
do Cineclube Pagu:
Carlos Cirne e Marcelo Pestana
Quarta - 12 de Agosto - 19 horas
OFICINA CULTURAL PAGU
Rua Espírito Santo, 17
quase esquina com Av. Ana Costa
Campo Grande, Santos SP
Telefone: (13) 3219-2036
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