por Chico Marques
Eu confesso que tenho certa dificuldade em comentar de forma mais analítica os livros de Michael Chabon.
É que eu gosto demais dos romances que ele escreve. Ouso até dizer algo que um resenhista jamais teria coragem de admitir: "sou fã dele".
Li todos os livros de Michael Chabon com imenso prazer -- um tipo de prazer na leitura que não sentia desde a juventude, quando delirava com os textos de Kurt Vonnegut Jr e René Barjavel que eram lançados aqui no Brasil pela saudosa (e descuidada) Editora Artenova.
Não que Chabon tenha a ver com Vonnegut e Barjavel em termos estilísticos. Não tem. Mas sua prosa tem o poder de despertar no leitor um envolvimento tão intenso, tão intrépido e tão bem humorado que o acaba envolvendo numa aventura existencial que quase sempre passa ao largo da experiência intelectual.
Isso vale tanto para seus romances mais realistas -- como "Garotos Incríveis" (Record, 1998) e "Usina dos Sonhos e Os Mistérios de Pittsburg" (Record, 1985) -- quanto para suas incursões literárias mais fantásticas como "As Incríveis Aventuras de Kavalier & Clay" (Record, 2002), "A Solução Final" (2007, Cia das Letras) e 'Associação Judaica de Polícia" (2009, Cia das Letras).
Em seu novo romance, "Telegraph Avenue", lançado há pouco mais de dois meses pela Cia das Letras, ele embarca novamente em uma aventura fantástica, mas com um diferencial interessante: dessa vez, a estrutura do romance é a de uma comédia de costumes, realista, gerando um mix curioso que ele ainda não havia tentado até agora.
Em princípio, "Telegraph Avenue" trata da vida de duas famílias em Oakland, Califórnia, na década de 1970, que possuem uma loja de discos especializada em Funk dos Anos 70, que eram a expressão máxima da Cultura Musical Negra da época, forjada a partir do sucesso estrondoso de James Brown e Isaac Hayes, e também de elementos da Psicodelia que sobreviveram à California dos Anos 60, só que adequados à Música Negra.
Leve e ao mesmo tempo ambicioso, é um romance sobra as relações raciais nos Estados Unidos, mas sem a susudez que outros autores, como Richard Price, imprimiram ao tema. É um romance sobre o que ficou de positivo de toda aquela experiência conturbada, controvertida, e -- porque não dizer? -- rica em nuances existenciais e comportamentais. Ou seja: algo diamentalmente oposto do discurso dirigido que vem do Universo Hip Hop que a juventude negra segue com convicção.
"Telegraph Avenue" é, de certa forma, um romance nostálgico. Mas, como não podia deixar de ser com Michael Chabon, é um romance nostágico completamente atípico, que celebra não apenas o objeto da sua nostalgia mas também o prazer que a nostalgia desperta, mesclando todos os elementos que compõem a cena dos "Funky Seventies", mesclado com a influência de todos aqueles filmes de blaxploitation, mais kung fu, machismo exacerbado, mulheres truculentas, etc.
Movido por essa nostalgia, pode-se dizer que "Telegraph Avenue", de certa forma, consegue a proeza de unir o Michael Chabon com a pegada truculenta de seus livros mais realistas com o Michael Chabon mais leve existencialmente de seus romances mais fantásticos. Não é um exagero afirmar que talvez seja seu romance mais maduro e original até o presente momento.
"Telegraph Avenue" é o trabalho de um escritor extraordinariamente generoso. Generoso com seus personagens, com suas paisagens, com a sintaxe, com as palavras, e, claro, com seus leitores. É o trabalho de alguém que escreve com alegria, e que sabe como envolver o leitor nessa alegria, fazendo com que ele se sinta inserido naquela cena, como se ela estivesse acontecendo agora, revelando uma America com divisões profundas, onde todo mundo parece estar meio fora de lugar, mas com valores densos que acabam se revelando de uma maneira fascinante.
E eu não vou dizer mais nada além disso. Leia "Telegraph Avenue" e descubra onde essa aventura vai dar. E resista ao encanto literário de Michael Chabon se for capaz.
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