Friday, August 21, 2015

"DRACULA" DE FRANCIS COPPOLA RESISTE AO TEMPO COM CORES FORTES E EMOCIONANTES

por Chico Marques 
para BLACK & WHITE IN COLOUR


Quem acompanha a carreira de Francis Ford Coppola ao longo dos últimos (quase) 50 anos, sabe muito bem que não existe gênero ou limite para sua atuação como realizador cinematográfico. Seu trabalho autoral é absolutamente pós-moderno. Dono de uma filmografia ampla e variada, ele passeou sem o menor problema pelos gêneros mais distintos: da comédia rasgada "American Grafitti", "Peggy Sue Got Married") ao musical ("Finian's Rainbow", "One From The Heart"), dos thrillers (A Conversação", "The Rainmaker") aos dramas familiares ("The Godfather", "The Rain People", "The Great Gatsby"), dos dramas juvenis ("The Outsiders", "Rumble Fish") aos experimentalismos mais radiciais ("Apocalypse Now!", "Tetro", "Old Youth").

Daí, ninguém se surpreendeu quando, no início da década de 1990, Coppola anunciou estar rodando uma nova versão da obra clássica de Bram Stoker  que deu origem a um dos mais famosos personagens do universo do Horror: o Conde Drácula. 

O tempo e a tecnologia digital das novas cópias que agora chegam aos cinemas deixaram o filme ainda melhor, ressaltando ainda mais o excesso de cores concebido pelo diretor, para estabelecer um contraponto irreal com a morte personificada pelo seu trágico personagem -- um conceito que não existe nomance original de Bram Stoker. Outra mudança em relação à história original está no clima romântico envolvendo Drácula e a encarnação de sua ex-amada Elisabetha na personagem Mina, que também não existe no livro. No livro, Drácula é a personificação do mal, ponto. Ele não se apaixona por ninguém. Não possui essa capacidade. A idéia do ""Amor Que Nunca Morre" é de Coppola.


Uma outra "heresia" de Coppola, mal compreendida pelos defensores ardorosos do livro original, é a maneira como Anthony Hopkins recriou o sisudo e ultramoralista Dr. Van Helsing, que é uma espécie de alter-ego de Bram Stoker no livro original. Pouco ou nada restou do intelectual moralista, puritano e totalmente devotado à sua causa original. No filme, Van Helsing é desconstruído pelos olhos da contracultura, para se transformar num gozador irreverente, de caráter altamente duvidoso, muitíssimo engraçado. 

Outra infidelidade ao original é o prólogo desenvolvido pelo roteirista Jim Hart com a colaboração do pesquisador Leonard Wolff, que liga o personagem Drácula ao príncipe Vlad, da Transilvânia. 

O caso é Coppola -- bom adaptador de originais que sempre foi -- sabe que o romance de Bram Stoker é mais emblemático do que propriamente grande em termos literários. Foi escrito em forma de diário, onde os personagens vão contando sua participação na história. Seria um recurso criativo se Stoker conseguisse dar vida própria aos seus personagens. Lamentavelmente, é sempre o ponto de vista maniqueísta dele que domina a psiqué dos personagens. Daí, o jeito foi usar a criativodade para redimensionar certas situações e reinventar outras.

 Apesar destas alterações, é o filme mais próximo da história original de Stoker já realizado no cinema, daí a insistência de Coppola em colocar o nome do autor do livro no título do filme. Uma das provas disso é a insistência de Coppola em recuperar uma pequena passagem do original de Stoker que o cinema nunca citou: foi o personagem texano Quincey, e não Van Helsing, quem cortou o pescoço de Drácula.


 O aspecto mais interessante do "Dracula" de Coppola é que ele deixa de ser um personagem de horror para virar um personagem trágico clássico. Falta terror e sobra romance no filme, : é uma bela história de amor repleta de intriga e mistério. Amor e Sexo simplesmente acontecem. O terror vem diretamente associado ao sexo como contraponto ao puritanismo e ao pouco caso dos meios sociais da época com o conceito do amor romântico. 

Um excelente exemplo disso é a cena, que transborda sensualidade, onde Jonathan Harker (Keanu Reeves) sai do seu quarto à noite para conhecer o castelo e encontra três vampiras, as noivas de Drácula, insaciáveis, que o devoram sexualmente, num banquete sem precendentes na história do cinema. Nunca um filme de horror envolvendo vampiros trouxe uma trinca de vampiras tão lindas e lacivas! Uma delas realiza no rapaz o boquete que nenhum filme de horror jamais teve coragem de mostrar.

 

Claro que essa não é a única cena notável do filme. Existem inúmeras delas. 

A introdução é magnífica, mostrando o príncipe Vlad lutando contra os turcos num teatro de sombras é sensacional. 

Sua revolta contra Deus pela morte de Elisabetha é dilacerante. 

O navio que leva o Conde para a Inglaterra, e que tem sua tripulação dizimada aos poucos, é uma grande sacada. 

E as insinuações de lesbianismo no beijo de Lucy e Mina, sob o olhar aprovador de Drácula, quebram definitivamente com os paradigmas puritanos que envolvem a história original. 

 Se bem que, seu eu tiver que escolher mina cena favorita, fico com a das três vampiras tentando levar à loucura o Dr. Van Helsing no castelo, enquanto este procurava proteger a pureza de Mina, que já é uma quase-vampira.



Os efeitos especiais do filme são um espetáculo à parte. Produzidos por Roman Coppola, filho do diretor, criam situações engenhosas como gotas subindo das garrafas, velas que se acendem sozinhas e névoas que passeiam através efeitos de espelhos com fumaça. 

E o que não falta são as homenagens ao cinema, como o uso de câmeras antigas e a linguagem corporal dos atores. Um exemplo magnífico disso é a aranha que as duas das três vampiras fazem com o seu próprio corpo quando param de sugar o personagem Jonathan Harker quando Drácula chega e dá a eleas um bebê para elas "jantarem". 


Rever "Drácula de Bram Stoker" em cópias digitais na tela grande dos cinemas é mais que um privilégio.

É na verdade quase uma necessidade.

Desde que foi realizado, em 1992, nunca mais nenhum filme de terror recebeu um tratamento tão luxuoso, tão denso em termos existenciais e tão satisfatório no aspecto artístico. 

Mike Nichols e Stephen Frears bem que tentaram ir além com seus "Lobo" e "O Segredo de Mary Reilley", mas não chegaram perto.

O que Francis Ford Coppola realizou aqui, em "Dracula", é cinema de primeirissima grandeza, como ele sabe fazer melhor do que ninguém.

DRÁCULA DE BRAM STOKER
Bram Stoker's Dracula
(1992 • 128 minutos)

Direção
Francis Ford Coppola

Roteiro
James V. Hart

Produção
Francis Ford Coppola
Fred Fuchs
Charles Mulvehill

Elenco
Gary Oldman
Winona Ryder
Anthony Hopkins
Keanu Reeves
Richard E. Grant
Cary Elwes
Billy Campbell
Sadie Frost
Tom Waits


em cartaz no Cinemark Praiamar Shopping





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