Wednesday, February 22, 2017

ALEGORIAS DO INTENSO RUMOR QUE SE OUVE (uma crônica de Ademir Demarchi)



O vozerio está intenso, as notícias chegam mudando o sentido das coisas a cada hora, de tal modo que o que se entendia como uma realidade aceitável e possível na semana passada, hoje, visão envelhecida, deixou de valer totalmente ou sofreu uma mudança importante que altera o modo como podemos ver as coisas. Lendo os jornais constatamos que estamos no olho do furacão que está em todos os lugares, e isso vale para aqui, ali, lá e para o Planeta. Trata-se, verdadeiramente, sugere a mídia, de um furacão multifacetado e ambíguo, uma medusa andrógina e colorida de víboras ciclópicas e brilhantes que coloca a todos no limite da angústia e da opressão, a um passo de uma crise de nervosa e estresse. Daí talvez o pendor de muitos de buscar nas religiões das prateleiras de credos um conforto estofado e colorido como um sofá das casas Bahia. Todos odeiam apaixonadamente e amam odiosamente a ponto de alguém já ter constatado que todo esse ódio gerará muitos cânceres prolíficos, cujo tratamento será pago pelo SUS... Alguém acredita que os que têm grana vão obrigar seus planos de saúde a bancar o alto custo das hóstias salvacionais vendidas pelos laboratórios? Daí a ideia de que um câncer pode gerar proles... Ô tempo estranho, sô!, dizia meu avô. Antigamente, e isso não faz nem 30 anos, ironizavam-se os que fumavam cigarros de orégano por maconha em busca de uma alucinação em que já se vivia... Daí que é algo engraçado hoje em dia ver tanta gente querendo se livrar da nicotina e preservar a pose bancando Delons & Bardots segurando cigarros enrolados com seda francesa e fumo de chás medicinais para suportar sua aguda crise existencial... O existencialismo puro era mais verdadeiro, fumava-se por real angústia, pela busca da morte antecipada como num duelo no velho oeste das ideologias. Abandonou-se muito facilmente o tempero... Porém a pimenta picante do diabo nunca desaparece, agindo com radiotividade nuclear invisível imantando tantos cérebros e cerebelos perdidos na natureza selvagem da vida urbana. Como o personagem do filme que se perde no deserto, come uma planta venenosa e morre por desconhecimento básico, a todos parece faltar memória, noção de processo, conhecimento histórico e nexos. A história da humanidade está sempre começando na data do próprio nascimento para aquele que nasce. Daí a diversão algo cínica de assistir a volúpia das hordas em busca de cristo dentro dos ovos de páscoa, babando ávidas para abri-los e lá encontrando o vazio da própria ignorância... De dentro deles saem somente personagens de denominações esquisitas como Caranguejo, Viagra, Nervosinho, Múmia, Drácula, Escondidinho, Colorido, Passivo, Bruto, Eva, Cacique... Enquanto isso, ilustrando essa insanidade, o mundo continua se movendo e uma velhinha que gosta de brincar de Thelma & Louise jogando seu carro no abismo, repetiu o gesto em Santos. Mesmo que não seja a mesma, para mim é, aquela que uns anos antes saiu a toda do seu prédio, rampa abaixo, cruzou a rua, subiu a calçada atropelando uma moça e entrou com o seu Honda Fit nas águas de um dos canais da cidade. Desta vez, Honda Fit novo e vermelho, acompanhado da inseparável poodle, ela foi atravessar para o Guarujá na balsa, talvez em busca dos tempos glórios da vida burguesa do outro lado e, novamente acometida de um impulso arrebatador, antes de chegar acelerou jogando-se no canal do porto. Ela parece “imorrível”, como dizia o Magri, um desses que buscou a glória, “moroso”, se é que me entende, e acabou notabilizado apenas por uma palavra... O carro boiou, elas foram salvas a tempo, depois o veículo foi descansar a dezoito metros de fundura. As duas nem se molharam, como da outra vez...

 

Ademir Demarchi é santista de Maringá, no Paraná,
onde nasceu em 7 de Abril de 1960.
Além de poeta, cronista e tradutor,
é editor da prestigiada revista BABEL.
Possui diversos livros publicados.
Seus poemas estão reunidos em "Pirão de Sereia"
e suas crônicas em "Siri Na Lata",
ambos publicados pela Realejo Edições.
Suas crônicas, que saem semanalmente
no Diário do Norte do Paraná, de Maringá,
passam a ser publicadas todas as quintas
aqui em Leva Um Casaquinho







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