Monday, February 13, 2017

ESCRACHANDO O DEMÔNIO COM UM CHUTE NOS BAGOS #13 (um folhetim de J R Fidalgo)



VOCÊ DIZ QUE CHUTA OS BAGOS DO DEMÔNIO,
MAS TÁ COM MEDO DE CHUTAR OS BAGOS DO CORINGA?
(1ª temporada, episódio 13)



- Nada. Você sabe que eu falo de improviso. Só vou me norteando mais ou menos pelas fichas que trago na mão. Bem, as fichas simplesmente sumiram do meu bolso e, como nada foi gravado ou filmado, além das pessoas presentes divergirem às vezes totalmente do que eu disse, o Coringa não vai poder repetir nada do que disse naquele dia.

- Bem, podemos escolher frase do livro e usar como texto novo nos comerciais. Acho que ninguém vai se tocar a respeito disso. Mas, o mais importante, é que, daqui para diante, você só vai fazer workshops vestido de Coringa.

- O quê?

- Do jeito que a coisa está indo, os gringos com certeza vão querer fazer ajustes no contrato de direitos autorais. Vão pedir bem mais do que a princípio. Mas acho que vale o investimento. Eles parecem cada vez mais interessados no assunto. Já ouvi comentários sobre a ideia de fazer um longa chamado “O Coringa Escracha os Bagos do Demônio.”

- Mas acho que você esqueceu de que o Coringa é um dos anti heróis mais odiados dos últimos tempos.

- E daí? Os tempos mudam. Anti heróis podem ter uma crise de consciência e virar super heróis.

- Acho que você precisa parar de falar e ouvir o que eu tenho a dizer: eu nunca mais vou fazer qualquer comercial maquiado como o Coringa, muito menos fazer workshops vestido como ele.

- Ficou maluco?

- Talvez, mas você não sabe ou não está dando a devida atenção a alguns eventos que ocorreram naquela noite e nos últimos dias. Coisas muito estranhas, até para mim. Você já ouviu falar sobre uma tal de “maldição do Coringa”? Andei recebendo uns e-mails anônimos deixando claro que quem se mete com o Coringa acaba se dando mal. Lembra dos problemas que os atores que o interpretaram no cinema tiveram? Alguns tiveram que passar por tratamentos psiquiátricos longos e um chegou até a se matar, ninguém sabe se acidental ou propositadamente.

- Isso tudo foi jogada de marketing. De concreto, só teve aquele rapaz que tomou uma overdose de barbitúricos, mas isso é normal no meio artístico, ou não?

- Aconteceram coisas estranhas naquela noite. Coisas sobre as quais eu não quero comentar, mas que fizeram eu decidir não mexer mais com o Coringa.

- Você diz que chuta os bagos do Demônio, mas tá com medo de chutar os bagos do Coringa? Não acredito. Por acaso, você tem ouvido vozes do Espírito Santo novamente, é?

- Vai se foder. O negócio é o seguinte: ou você aceita a condições de esquecer a porra do Coringa daqui para frente ou paramos com tudo já!

- E você já imaginou o que eu teria que pagar de multas contratuais com o cancelamento do que já foi programado?

- Novamente, foda-se. Eu não pedi nem fui consultado sobre essas novas ideias psicóticas, não concordo com elas e não vou aceitar participar dessa coisa de psicopata capitalista travestida de misericórdia e religiosidade.


Sinceramente, nem eu entendi o significada das minhas palavras, nem na hora nem agora. Meu amigo ficou um longo período em silêncio. Depois desligou.

Não era possível explicar racionalmente a minha reação extremada contra aos planos de centrar o projeto do “Escrachando o Demônio” no uso da imagem do Coringa.

Não foram os e-mail anônimos com ameaças, a série de eventos absurdoSque ocorreram naquele workshop mais do que estranho, nem o medo a maldição do Coringa sobre a qual falou aquele mendigo que me ofereceu a garrafa de plástico com o líquido que, como por mágica, derreteu a maquiagem que eu tentava desesperadamente tirar do meu rosto.

Volta e meia, porém, o olhar daquele mendigo se afastando lentamente e me advertindo para não brincar com o Coringa retornava à minha memória, como se aquele aviso tivesse algo muito importante e que eu não estava percebendo.


Outra coisa é que, durante um período de isolamento na caverna refleti sobre o fato de ter me afastado do mundo com o objetivo de aprender a me tornar invisível nos últimos anos da minha vida.

No entanto, embora minha verdadeira identidade tenha sido preservada, as personagens que utilizava nos workshops, que agora também eram comercializados em DVDs, haviam se tornado virais em praticamente todas as mídias.

Daí, veio a pergunta fatal: afinal, que diabos eu realmente queria da vida e quem realmente eu era


J R Fidalgo,
um jornalista que tem preguiça de perguntar,
um escritor que não tem saco pra escrever
e um compositor que não sabe tocar.

(mesmo assim escreveu dois romances
e uma quantidade considerável de canções
ao longo dos últimos 40 anos - nota do editor)






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