Saturday, February 25, 2017

CAFÉ & BOM DIA #52 (por Carlos Eduardo Brizolinha)



Em O artista na prisão, Albert Camus fala sobre Oscar Wilde, argumentando que o artista não pode viver alheio a vida. Quando se trata daqueles que, devido ao nascimento ou à inclinação, conseguem apenas ter uma ideia horrível da felicidade, segundo a expressão de Saint-Just, então a dor é, para eles, uma das faces da verdade, embora seja a menos nobre; e a verdade do escravo vale mais do que a mentira do senhor. A grande alma de Wilde, elevada acima da vaidade pelo sofrimento, aspirava contudo àquela felicidade orgulhosa que lhe restava encontrar para além da infelicidade. “Depois”, dizia Wilde, “precisarei aprender a ser feliz”. Não o foi. O esforço em direção à verdade, a simples resistência a tudo que, na cadeia, arrasta o homem para baixo, bastam para exaurir a alma. Wilde não produziu mais nada depois da A balada da prisão de Reading, e conheceu sem dúvida a indizível infelicidade do artista que conhece os caminhos do gênio, mas que não tem mais forças para segui-lo. A miséria, a hostilidade ou a indiferença fizeram o resto. O mundo para o qual vivera deve ter sentido que acabava de ser julgado para sempre por um prisioneiro e julgado pelo que era. A arte que recusa a verdade de todos os dias perde a vida. Mas a vida que lhe é necessário não pode ser suficiente. Se o artista não pode recusar a realidade, é porque sua tarefa é dar a ela uma justificativa mais elevada. É por isso que, ao sair de sua prisão, Wilde, esgotado, não encontrou força a não ser a de escrever esta admirável A balada da prisão de Reading e fazer ressoar novamente os gritos que foram lançados uma certa manhã de todas as celas de Reading para sustentar o grito do prisioneiro que homens de fraque estavam enforcando. A única coisa no mundo que poderia despertar seu interesse eram seus irmãos de sofrimento e, entre eles, aquele que era vergonhosamente supliciado em nome da decência. Nas últimas frases de De Profundis, Wilde jurara para si mesmo que daí em diante sempre identificaria a arte com a dor. A balada da prisão de Reading iria cumprir esta promessa, encerrando assim o itinerário vertiginoso que o levava da arte dos salões, onde todos só escutam a si mesmos nos outros, à arte das prisões, onde todas as celas lançam o mesmo grito de agonia que nasce do homem assassinado por seus semelhantes. O trabalho de Marcelo Vinicius de espremer o ensaio de Albert Camus é um confeite delicioso, mas meu chão carnavalesco é " O Hospede " presente do querido amigo dos cafés de quarta Manoel Dias Marcelino.


Todos nós desejamos ajudar uns aos outros. Os seres humanos são assim. Desejamos viver para a felicidade do próximo - não para o seu infortúnio. Por que havemos de odiar e desprezar uns aos outros? Neste mundo há espaço para todos. A terra, que é boa e rica, pode prover a todas as nossas necessidades. O caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza, porém nos extraviamos. A cobiça envenenou a alma dos homens, levantou no mundo as muralhas do ódio e tem-nos feito marchar a passo de ganso para a miséria e os morticínios. Criamos a época da velocidade, mas nos sentimos enclausurados dentro dela. A máquina, que produz abundância, tem-nos deixado em penúria. Nossos conhecimentos fizeram-nos céticos; nossa inteligência, empedernidos e cruéis. Pensamos em demasia e sentimos bem pouco. Mais do que de máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que de inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido. A aviação e o rádio nos aproximou. A própria natureza dessas coisas é um apelo eloquente à bondade do homem, um apelo à fraternidade universal, a união de todos nós. Neste mesmo instante a minha voz chega a milhares de pessoas pelo mundo afora. Milhões de desesperados: homens, mulheres, criancinhas, vítimas de um sistema que tortura seres humanos e encarcera inocentes. Aos que podem me ouvir eu digo: não desespereis! A desgraça que tem caído sobre nós não é mais do que o produto da cobiça em agonia, da amargura de homens que temem o avanço do progresso humano. Os homens que odeiam desaparecerão, os ditadores sucumbem e o poder que do povo arrebataram há de retornar ao povo. Sei que os homens morrem, mas a liberdade não perecerá jamais. CHARLES SPENCER CHAPLIN E QUE TODOS NÓS SEJAMOS CHAPLIN nem que seja por um dia.


Florbela,foi um dos filmes mais assistidos em Portugal em 2012, rodou por pouco tempo e desapareceu. O longa-metragem de Vicente Alves do Ó retrata parte da biografia da poetisa portuguesa Florbela Espanca: uma mulher a frente do seu tempo que em meados da década de vinte divorciou-se várias vezes, escreveu textos eróticos, tentou suicídio mais de uma vez, foi internada em sanatórios e morreu aos 36 anos deixando uma obra riquíssima. Os apaixonados por literatura que quiserem conferir ao filme Florbela, que está esquecido perigam sofrer uma baita decepção. Apesar de a atriz Dalila Carmo ter alcançado o olhar melancólico da poetisa portuguesa e da fotografia ser bonita e coesa o filme é bastante frágil. É frágil, entre outras coisas, porque o conflito é apresentado de maneira periférica: as dificuldades que uma escritora sofria em meados da década de vinte para se impor no cenário literário - numa época onde somente os homens tinham voz - bem como o preconceito que uma mulher a frente do seu tempo - que divorciou-se várias vezes, usava calças, fumava, bebia e escrevia poemas eróticos - aparecem superficialmente em breves diálogos ao longo da trama. Nem mesmo a intensidade e/ou a personalidade neurótica que a levou duas vezes ao sanatório, tampouco o suicídio, sombra que rondou duas vezes Florbela Espanca e tirou sua vida na terceira tentativa com uma super dosagem de barbitúricos, tem destaque no filme. O diretor Vicente Alves do Ó privilegiou sua relação simbiótica com o irmão Apeles e durante 1h59min insinuou haver um amor incestuoso entre eles - retratando as suspeitas da época. “Segundo biógrafos como Agustina Bessa Luís ou Maria Alexandrina, não existiu, na realidade qualquer tipo de relacionamento incestuoso entre Florbela e o irmão Apeles. O fato de ser como irmã que Florbela se entrega mais profundamente, deve-se, no fundo, a Florbela ter tentado ser, mais do que uma irmã e confidente, uma mãe para Apeles”, que perdera a mãe aos quatro anos de idade. (fonte) Em seu segunda longa-metragem, Vicente Alves do Ó erra por excesso de cuidado, por não querer errar: os atores são marcados demais, as pausas longas, algumas sequencias teatrais. E erra, também, por querer pretensamente traduzir a poesia - o que resulta em cenas batidas e cafonas, como uma chuva de folhas brancas caindo sobre a poetisa. O figurino apesar de coerente e bonito é mal arrematado, empresta ares de brechó e não de uma época. Saí do cinema com uma pequena certeza: apesar de biografias e filmes demonstrarem esforços para dar conta do tamanho de um artista, só há um meio de conhecê-lo inteiramente: procurando-o em sua arte. Eis aqui Florbela Espanca por Florbela Espanca: “O meu mundo não é como o dos outros. Quero demais, exijo demais. Há em mim uma sede de infinito, uma angustia constante que nem eu mesma compreendo, pois estou longe de ser uma pessoa, sou antes uma exaltada, com uma alma intensa, violenta, atormentada. Uma alma que não se sente bem onde está, que tem saudade...


Experiência é o nome que todos dão aos seus próprios erros. Hoje em dia conhecemos o preço de tudo e o valor de nada. O homem pode acreditar no impossível, mas nunca acreditará no improvável. As circunstâncias são o acoite com que a vida nos fustiga. Alguns de nós o recebem diretamente na carne, outros por cima das roupas. Esta é a única diferença. Receio que as pessoas de bem sejam a causa de infinitos males neste mundo. A pior coisa que fazem é certamente atribuir tamanha importância ao mal. Na verdade, o homem não busca nem o prazer nem a dor, mas sim apenas a vida. O homem procura viver intensamente, completamente, perfeitamente. Quando conseguir fazer isto, sem lesar a liberdade alheia e sem nunca ser lesado, quando todas as suas atividades só lhe proporcionarem satisfação, ele será mais saudável, mais normal, mais civilizado, mais si mesmo. A felicidade é a medida pela qual o homem julga a natureza e avalia até que ponto está em harmonia consigo mesmo e com o ambiente. Sempre percebemos alguma coisa ridícula nas emoções das pessoas que deixamos de amar. A beleza é a única coisa contra a qual a força do tempo é vã. As filosofias se desmancham como areia, as crenças sucedem-se uma após a outra, mas o que é belo é uma alegria para qualquer época, e é algo que pertence à toda a humanidade para sempre.


A filosofia do século XX teve figuras maravilhosamente lúcidas e cheias de empatia pelos mortais sofrentes – dentre as quais eu destacaria a obra de Albert Camus, Simone Weil, Vladimir Jankélévitch, Hans Jonas, André Comte-Sponville, dentre outros – que puseram seus poderes mentais e emocionais em ação, em defesa da dignidade humana e em prol de um sentido possível para que escapemos de existir no absurdo. Arendt soma-se a uma longa linhagem de seres humanos particularmente sensíveis a toda dor injusta que se pode cometer, que se pode testemunhar sendo infligida, e que também se pode sofrer como vítima, neste “curto circuito de luz entre duas imensidões de trevas” que é a vida segundo Nabokov. Arendt legou à humanidade uma obra de mérito imenso, tanto para a elucidação de nossos (des)caminhos históricos e de nossas recorrentes atrocidades e tragédias, quanto para reacender o lume de uma sabedoria. Da leitura da obra de Arent o leitor emerge fortalecido em sua lucidez e seu senso crítico, mas um tanto melancolizado por enxergar, através dos olhos de Hannah, com o auxílio de seus relatos minuciosos, uma realidade toda corrompida pela banalidade do mal, esta ocorrência tenebrosamente cotidiana da crueldade institucionalizada.

QUE TIPO DE BOM DIA ESTAREMOS BUSCANDO?

CAFÉ NA MESA ACREDITANDO QUE TODOS NÓS NASCEMOS ORIGINAIS E MORREMOS CÓPIAS (JUNG)




Carlos Eduardo "Brizolinha" Motta
é poeta e proprietário
da banca de livros usados
mais charmosa da cidade de Santos,
situada à Rua Bahia sem número,
quase esquina com Mal. Deodoro,
ao lado do EMPÓRIO SAÚDE HOMEOFÓRMULA,
onde bebe vários cafés orgânicos por dia,
e da loja de equipamentos de áudio ORLANDO,
do amigo Orlando Valência.








No comments:

Post a Comment