Wednesday, February 8, 2017

O SÉRGIO PORTO DA PROPAGANDA (uma reminiscência de Carlão Bittencourt)



“Envelhecer não é tão mau assim,
quando se considera a alternativa.”
(Maurice Chevalier)


Vou falar de um redator. Um grande redator. Dos mais premiados. Mas que tinha outros talentos. Mil e um. Para ser exato.

Caricaturista. Flautista bissexto. Culto, porém, sem máscara. Carioca do samba, do choro e do Brasil brasileiro.

Frasista. Mestre na ironia. Contador de histórias. Mímico. Cinéfilo. Gourmet eclético, vivia perseguindo a feijoada perfeita. Só bebia cachaça. Da boa.

Amigo dos amigos. Quando comprava uma briga, pagava na dobra. Mas só tergiversava com poderosos. Era solidário com gente humilde. Questão de princípio. Traço de caráter.

Seu nome, Limeira. E, como o fruto da árvore, o homem possuía um falso azedume. Que cultivava. O aparente mau-humor, porém, não passava da mais fina e requintada forma de sedução. Na verdade, era um gozador, que nunca perdia a piada, nem o amigo.

Posto isso, vamos a algumas passagens curtas e absolutamente brilhantes que, só por tê-lo como protagonista, ou coadjuvante, já mereceriam ser contadas. As limadas.


Síndrome de São João Batista

Limeira trabalhava na maior agência do Brasil, naquela época. Lá, ganhou todos os prêmios que um criativo pode alcançar, dentro e fora do Brasil. Sendo eleito, inclusive, para o “Hall of Fame”, nos EUA.

Naquele dia, como de hábito, estava cercado de amigos, batendo papo, sem pressa, quando um dos diretores da agência entrou na sala.

Aproveitando o clima de terror instalado na casa por conta de uma suposta “lista negra” de demissões, e querendo brincar com o redator na frente de boa parte da Criação, o executivo disse, em tom sério:

“Limeira, aconteceu um negócio chato...”

Ele parou de falar e respondeu:

“O que foi?”

O outro continuou, com cara de drama:

“Eu estava agora numa reunião de diretoria, quando me pediram tua cabeça...”

Limeira disse apenas:

“E você não deu?”

Para aliviar a tensão e mostrar que tudo não passava de lorota, o executivo falou, sorrindo:

“Claro que não!!!”

O cara deu azar. Não sabia com quem estava brincando. Com as mãos, Limeira fez como se tirasse a própria cabeça dos ombros e a “entregou” ao outro, dizendo:

“Então, eu dou!”

Em seguida, virou-se para sua mesa. Em poucos minutos, esvaziou as gavetas e foi embora da agência. Para sempre. Deixando perplexo o autor da brincadeira de mau gosto. No dia seguinte estreou na DPZ.


Bota o Velhinho no Sol

Se existe lugar que as pessoas adoram conhecer é uma agência de propaganda. Ainda mais badalada, como era a que Limeira trabalhava. O Zoológico perderia feio. Em número de visitas. E de feras.

Todo santo dia aparecia alguém do Atendimento, trazendo uma figura qualquer para bisbilhotar, principalmente a Criação. Aquilo enchia o saco da turma. Mas ninguém dizia nada. Até que Limeira resolveu brincar com a coisa. Bastava que a comitiva viesse se aproximando com o visitante (ou visitantes), para a cena acontecer.

Limeira arregalava os olhos, torcia o pescoço para o lado e entortava os dedos da mão. Ato contínuo, alguém colocava um cobertor xadrez sobre suas pernas. E, quando o grupo entrava, saia empurrando-o na cadeira de rodinhas” até a janela, dizendo:

"Limeira, tá na hora do seu banho de sol... O Doutor mandou!"

Ele ficava ali, naquele estado lastimável, torto, de lado para a enorme janela e para quem tinha chegado. Ao mesmo tempo, outro colega de sala explicava para os visitantes, que ele havia sofrido um derrame cerebral, mas estava em franca recuperação.

Nisso, o talento teatral de Limeira pedia passagem. Com a língua pendendo da boca torta, dizia, numa voz cavernosa, que mais parecia o esgar de um moribundo:

"Essstou...coff! (pigarro)...bem.... coff! Coff! (pigarro de novo) melhorrrr... coff! coff! coff! coff! (engasgo forte)"

Invariavelmente a comitiva saía apressada da sala, mal disfarçando o desconforto causado pela interpretação daquele artista. Digna de um Moliére.


O Velho Barreiro

Todo gozador tem seu dia de ser gozado. É fatal. Ninguém escapa. Nem mesmo Limeira.

O autor da sacada foi Otacílio, outro gozador. Inteligente, observador e rápido nas sacadas, ele percebeu que Limeira mantinha certos hábitos matinais.

Chegava na agência, entrava na sala, guardava os documentos na gaveta, punha o jornal debaixo do braço e partia, célere, em direção ao toilette, com seu andar característico de pingüim. A coisa não falhava.

A isso, somavam-se três outros detalhes importantes sobre o companheiro: a careca, a barba branca e o costume de só beber cachaça. De repente, tudo se encaixou na mente sacana de Otacílio. Ele sorriu. E ficou na moita.

No dia seguinte, a Criação estava em peso conversando no corredor. Limeira chegou e deu início ao seu ritual. Quando ele saiu da sala, jornal no sovaco, indo para o banheiro, Otacílio mandou a tirada ferina:

"Lá vai o velho barreiro..."

Pegou.


O Torlone

Essa história já pertence ao inconsciente coletivo da propaganda. Um clássico. É o seguinte.

O telefone tocou na sala do diretor de arte Edmar Salles, na época, trabalhando na Denison. Edmar atendeu. Era Otacílio de Santos. Depois de botarem a conversa em dia, Otacílio perguntou, intrigado:

"Baixinho, me lembrei de um troço. Ontem me ligou um cara, dizendo que te conhece. Ele é redator e disse que quer me mostrar a pasta. É um tal de Torlone. Você conhece?"

Na dúvida, Edmar, falou:

"Torlone? Que Torlone???"

Otacílio, rápido:

"Aquele que te enfiou um provolone!!!"

E desligou, no meio da gargalhada.


(você deve estar se perguntando onde é que o Limeira entra nessa história, não? Simples. Ele é o autor da pegadinha, o “pai” do Torlone e também do Faranho....... Que Faranho???)



Carlão Bittencourt
é redator publicitário
e cronista.
É autor de
"Pela Sete - Breves Histórias do Pano Verde"
(2003, Editora Codex),
um mergulho no universo
dos salões de bilhar de São Paulo
e escreve todas as quartas
em LEVA UM CASAQUINHO.










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