Wednesday, February 15, 2017

"LOMBARD" OU A TURMA QUE SE ATRAPALHA ATÉ COM TELETUBBIES (por Marcelo Rayel Correggiari)



A expressão título na nota ‘merceárica’ dessa semana vem do grande, grande mestre, pai da literatura cyberpunk, o escritor William Gibson, em seu fantástico romance ‘Pattern Recognition’, Reconhecimento de Padrões, publicado no Brasil pela Aleph.

Um acrônimo, é claro.

‘Lombard’ é uma sigla para “Loads Of Money, But A Real Dickhead”, que num português ‘copo sujo’, ‘lata-cheia’, bem ‘boca-de-porco’ seria algo como “Muito dinheiro, mas um tremendo pau-no-cu”.

Dinheiro compra poder, isso já sabemos. Um ‘poderzinho’ de vez em quando não faz mal a ninguém. O difícil é quando o ‘trem’ vira profissão: muito ‘xixi-no-poste’ para uma eficiência inexistente (não dá nem para dizer “... abaixo de zero...” porque zero é nota).

Sim, porque dinheiro é dinheiro, paga as contas, compra boas roupas, garante excelentes escolas, adquire solares nos pontos mais nobres dos mais elevados centros urbanos, leva qualquer um a grandes viagens, sem contar o sabor dos grandes bailes e estabelecimentos que servem acepipes sem par.

Um problema: dinheiro pode até pagar isso, mas não compra beleza, elegância, hombridade, lealdade, empatia, constância, consistência, amor, paz-de-espírito, companheirismo, intimidade e, ‘über alles’, caráter.

Porque também, em sua ausência, é possível se verificar até que ponto o ‘çer umano’ é capaz de jogar fora os eventuais valores supracitados.

Não gastemos tempo & fosfato nos empertigando com o ‘topa tudo por dinheiro’ que, de certa maneira, parece ter virado mania nacional. Como igualmente não devemos esquecer que o macro pode perfeitamente ser reflexo do micro.

A imagem pode ser, tranquilamente, um embuste. O subjétil é uma pulsão bem mais coerente daquilo que o(a) querido(a) freguês(a) vê. Vão por mim: a imagem é uma representação de um pedaço do real, mas jamais o fato em sua totalidade, e muito menos o objeto no seu todo.

Reluz, mas não é ouro. É azul, mas não é o céu.

“(...) O ser se anuncia a partir do lance, e não o inverso. (...)”, já dizia Jacques Derrida, ‘macaco véi’, em seu eletrizante “Enlouquecer o Subjétil”. Tostines Macabro: o ser se anuncia a partir do lance ou o lance se anuncia a partir do ser?

Eis o nó...


É aqui que mora o ‘Lombard’: como o dinheiro abre portas, ele está em todos os lugares. A questão é que ele nem sempre ‘orna com o trem’. Mas... como já está dentro, ...

‘Colhões’ são admiráveis quando encontrados em “s-e-r-e-s h-u-m-a-n-o-s” cujo gesto é simples: se bater à porta, não abra; se já estiver dentro, toca para fora. Até que fique bem sinalizado que ter dinheiro nem sempre é ser gente.

Mas, com esse monte de contas atrasadas e um desemprego do ‘cazzo’, onde encontraríamos coragem?

O coração de uma pessoa é terra onde não se pisa, e o descumprimento de tal regramento tem um custo elevadíssimo. Quando menos se espera, é igual à música do Mano Negra: “(...) when you hear the devil’s call/save your soul/take a stroll (...)¹”.

A nossa incorrigível tentativa de ‘rotular’ para ‘identificar’ pessoas vem de uma necessidade questionável de tentar antever o "lance” a partir do tipo de “ser” que se relaciona com cada um de nós. Copo furado: o “lance” é a forja do “ser”, sua formação, sua criação, é ele a antessala do exemplar que está a sua frente.

Só que entre o “lance” e o “ser” está o ‘Subjétil’, a pulsão, a força de uma intenção que procura sua forma táctil no mundo, que busca ‘estar no mundo’ através de uma forma que não se sabe, exatamente, como será. Um ‘samba-do-crioulo-doido’ que nos coloca mais ou menos na condição de internos de hospital psiquiátrico se procurarmos investigar esse ‘Subjétil’.

O ‘Subjétil’, aliás, é lógico e perfeitamente coerente. Sentimos informar, querido(a) freguês(a), que talvez tais predicados não possam ser aplicáveis a V. Sª.

Dizem que a graça de tudo estaria nisso: das grandes peças de teatro aos grandes romances literários. Sejam felizes, porque nós, dessa perturbada Mercearia, passamos a vez.


Mas... voltemos ao Lombard...

Sujeito(a) matreiro(a), marotíssimo(a), de uma sagacidade ímpar de sentir ao longe o cheiro da tramoia, de quando o pé se direciona à própria bunda e dá um ‘xeque-mate’ de enrubescer Kasparov. Afinal, dinheiro não dá em árvore e ele(a) precisa proteger o patrimônio. Faz qualquer tipo de leitura (por falta de melhor capacidade cognitiva) e tem a absoluta certeza de que jamais receberá um ‘não’ porque, afinal, a carteira está recheada.

“Din-din” não compra cognição para se ver e sentir o ‘Subjétil’. Até pode ser coisa aprendida, mas há de se ter algum talento para tal. No mais, é o ‘Show da Leitura Errada’, “(...) ah, eu achei que... (...)”. ‘Pera’ lá: acha ou tem certeza?! A capacidade de leitura está calibrada?! Houve tempo de exposição suficiente à pessoa, assunto, ou o esporte predileto é ‘chutar pra todo lado’, tirar conclusões sem curar o queijo?!

Porque nesse ‘tango com o capeta’, você não vê a hora da música parar. Só que não pára! É ‘tcha-tcha-tcha’, merengue, calipso, rumba... a orquestra nunca cessa de tocar a próxima do ‘playlist’.

O lado negativo do dinheiro talvez seja a moleza de comprar preguiça: a pior delas, a cognitiva. A pessoa em questão não entende porra nenhuma! Você fala, e ela não entende. Dá uma ordem, e ela não entende, faz tudo ao contrário. Pede para que algo seja feito e você é solenemente ignorado(a).

Nossa, que ótimo!

Há até ‘muito dinheiro na carteira’, mas um simples anúncio de ‘mantenha distância’ é um custo enorme, se é que dá para chamar de custo porque simplesmente o(a) receptor(a) da mensagem não entende ‘manter’ e ‘distância’. Sabe-se lá que nome poderíamos dar a isso.

Uma jumência de doer! A generosidade como um espaço oferecido pelo outro para que seja ocupado é vilmente ignorada, não há presença e, na reta final, o(a) generoso(a) se vê na situação de ser transformado(a) no ‘demônio-da-porra-toda’ simplesmente porque combate uma espécie de ‘controle remoto’ que o outro faz de tal oferta.

Ou seja, não entra (de fato!), não reverbera e se acha no direito de ‘brincar de porteiro’, a fim de controlar o tamanho desse espaço (do outro!) e quem deve ocupar ou não.

Isso sem um devido ‘alinhavar prévio’, sem um ‘acordo’, é tirania pura!

É de se imaginar, então, qual tipo de entendimento de ‘subjétil’ presente em obras como “Uma Laranja Mecânica”, de Anthony Burgess, ou “A Doença de Haggard”, do mestre Patrick McGrath, esse(a) sujeito(a) tem.

Se bobear, faz parte de uma turma que se atrapalha com um simples DVD do Teletubbies. Dá licença...


Marcelo Rayel Correggiari
nasceu em Santos há 48 anos
e vive na mítica Vila Belmiro.
Formado em Letras,
leciona Inglês para sobreviver,
mas vive mesmo é de escrever e traduzir.
É avesso a hermetismos
e herméticos em geral,
e escreve semanalmente em
LEVA UM CASAQUINHO





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