Um jornal regional, que ainda não participava do jogo dos grandes diante de uma trama que, fatalmente, o colocaria frente a frente contra um adversário enorme, incalculável e, principalmente, vingativo. Além disso, havia ainda o fator econômico: processado e derrotado, o jornal simplesmente fecharia suas portas, colocaria centenas de profissionais na rua e o pior, a verdade seria mais uma vez derrotada. A batalha entre The Washington Post e o governo norte americano liderado por Richard Nixon deixa orgulho àqueles que um dia trabalharam com a bunda quente e, com certeza, servirá de exemplo àqueles que estão começando, ou oriundos de tempos menos complicados. Um grande filme e, merecidamente, indicado ao Oscar.
Claro que profissionais jornalistas o enxergam de maneira diferente. Têm uma visão bem mais clara das esquinas de uma redação e do pequenos segredos para se conseguir uma notícia extremante importante, perigosa e explosiva. Para esses, eu no caso, o filme é fascinante. Tem ritmo, atuações perfeitas, uma direção de Steven Spielberg impecável e roteiristas que souberam mostrar com competência e emoção o drama de uma socialite que, viúva, foi obrigada a encarar um jornal em crescimento e jornalistas que, até então, ainda estavam na segunda divisão, ainda lutavam por seu espaço.
Paralelamente a isso, tem o fator democrático, a luta de um País para consolidar sua famosa democracia e preservar definitivamente a liberdade de imprensa. Tudo gira em torno de documentos secretos sobre a guerra do Vietnam e a coragem de publica-los. Um jornalista consegue a documentação e as entrega ao seu editor Ben Dradlee, que, imediatamente, vai conversar com a proprietária do jornal, Katharine Graham. Conselheiros, advogados e auxiliares passam a discutir, uns a favor outros contra, as possibilidades de publicar a matéria e aguentar as consequências. Em jogo, a maior arma que uma democracia precisa defender: a liberdade de imprensa.
Mas, o filme consegue mostrar, paralelamente, a beleza de um País onde as leis funcionam, mesmo com seus problemas e defeitos. Em pouco tempo a notícia é publicada e em pouco tempo a Suprema Corte decidiu. Derrotado, o Washington Posto teria oficializado a censura à imprensa, o direito de qualquer governo subjugar jornais através da lei e do bolso. Vitorioso, o jornal chegaria à primeira divisão e a democracia seria consolidada. Katharine Graham, proprietária do jornal, ampara-se na competência dos seus jornalistas e
na Constituição americana, talvez a mais liberal do mundo. Todos esses aspectos, e talvez a mais importante mensagem, fundamentam-se, sempre, na lei. Não há qualquer referência ideológica, não há qualquer posicionamento político, não há uma definição de esquerda ou direita. Prevalece, sempre, o interesse maior do País que é a sobrevivência da democracia.
Toda essa cantilena ideológica que se ouve por aqui em terras tropicais não existe. Não existem manobras políticas para alterar a lei (mesmo que na marra) para salvar almas penadas que andam enchendo o saco do país; não há uma disputa descarada e suja pelo poder. O problema todo é a defesa da liberdade de imprensa e dos direitos dos cidadãos americanos de conhecer sobre o jogo imundo dos militares e políticos que, em nome sabe-se lá do que, mantiveram por anos, milhares de jovens numa guerra que todos já sabiam perdida.
E não há, surpreendentemente, a tal "defesa do meu legado", termo tão usado por nossos ex-presidentes, preocupados muito mais com suas memórias do que com o País. Três ex-presidentes e o de plantão são acusados das mentiras mantidas em segredo, sendo democratas e republicanos. Nem mesmo o tão festejado John Kennnedy escapa. Logo ele tão popular no mundo todo e tão adorado por seus discursos democraticamente corretos! Existe, isso sim, a preocupação com a defesa da verdade, esse o manto que um País sério precisa para fortalecer suas instituições. "The Post" não protege e nem defende ninguém, defende e protege apenas o País. Bem diferente do nosso quintal onde líderes messiânicos e outros menos cotados apostam sem si mesmos, colocando o país de lado. Aqui luta-se pelo poder e dinheiro, nunca pelo País, pela proteção das leis e da Constituição. Não há respeito pelo cidadão. Simples assim.
As atuações de Meryl Streep, como Katharine Graham, e Tom Hanks como Bem Dradlee, são profissionais, perfeitas, mas sem grande explosões interpretativas. Refletem muito bem as personalidades de seus personagens e dificilmente Meryl Streep levará a estatueta. Bob Odenkirk e Alison Brie são outros que tem um trabalho impecável.
Um grande filme, onde as relações quase promíscuas da socialite Katharine com o poder vão até onde a dignidade do jornal e da imprensa permitem, mas onde a verdade prevalece e se enterram essa bobagens de "regulamentação da imprensa", tão comuns nas declarações dos tontos de plantão brasileiros. E, no final, fica uma grande frase que deveria ser colocada nas paredes de todos os jornais do mundo:
"Na democracia, a imprensa livre é para os governados, nunca para os governantes."
Forte, bonito e definitivo... inté.
Álvaro Carvalho Jr. é jornalista aposentado
e trabalhou para vários jornais e revistas
ao longo de 40 anos de carreira.
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