Thursday, February 22, 2018

COM RECIBO É MAIS CARO (por Marcelo Rayel Correggiari)




Esse iletrado merceeiro, até hoje, cai na boa & velha esparrela da carcomida recomendação para que se leia Balzac.
Disco riscado (nos dias de hoje, ‘arquivo bugado’): “Será possível que você só recomende isso?! Deus do céu... Já deu!”.
A reclamação faz sentido: porque é aquele mesmo título por décadas. Não é a leitura de uma “Eugénie Grandet” ou “A Mulher de Trinta Anos”. A recomendação, tanto literária quanto para a Vida, recai sempre em “O Pai Goriot”.
A indicação frequentemente carrega certa urgência relacionada à citação de um bom exemplo daquilo que chamaríamos de modelo da ‘Literatura de Alto Giro’, ‘Alta Literatura’ e assim por diante. O mesmo valeria para “Uma Campanha Alegre” ou “O Mandarim”, do Eça, por exemplo.
Num país ‘funkeiro’, ‘sertanejeiro’, ‘temerário’ e caindo pelas tabelas, chega a soar como o mais refinado pedantismo...
... mas, tudo bem...
... tudo bem, mesmo! Quem há de se ater à terrível sordidez da pensão de Mme. Vauquer, forrada de escroques e gente da pior laia, há de entender, igualmente, a complexidade circense (em parte, mas, em algumas pessoas, ‘no todo’!) da natureza humana.
É muita doença para pouco cérebro...
... ou muito ‘mau-caratísmo’ para pouco corpo.
Em “Le Père Goriot”, Balzac mostra, de alguma maneira, como nascem os traumas, mas também descreve com enorme maestria suas consequências. Outro viés da obra, bem mais secundário e tremenda ‘viagem’ da cabeça de quem a lê, vai ao encontro de como nascem os(as) imbecis.
Os(As) imbecis... já ouviram falar?! Conhecidos(as) como idiotas, “babacas”, e toda sorte de nomenclatura?!
Costumam ser mais numerosos que mato!
A imbecilidade, em algum grau e/ou extensão, faz parte da natureza humana. E seria bom não perdermos as estribeiras diante dela: todos nós carregamos alguma dose manifestada em ocorrências aqui e acolá. Sua serventia? É incerto dizer... suspeitamos que seja um índice ora para um convívio social razoável, ora para se entender que padecemos de algum mal.
Isso se torna claro quando não sabemos muito o que falar diante de situações que pouco compreendemos e são completamente fora de nosso controle. Um velório, um luto, um tratamento de saúde, o fim de um casamento, perdas... O(A) querido(a) freguês(a) pode ser o(a) mais hábil dos entes comunicativos, um ‘Sílvio Santos’ dos RPs... “Sound the alarms!”. Em algum momento, a casa cai.
É parte da natureza humana: as pessoas se preocupam, genuinamente, com o bem-estar das pessoas queridas. Contudo, pouco sabemos o que dizer diante de certas complexidades.
Aí, é um carnaval de recomendações de ‘como viver bem a vida’. Ora, deem licença! O ‘pau quebrando’, ‘jacaré abraçando’, e abrem-se as portas do supermercado da existência cujas gôndolas estão forradas de modelos certíssimos de como conduzir bem esse troço.
Tem o lado bom da coisa: um firme exercício de certa prática cristã da paciência. Afinal, não fazem por mal...
O duro é quando a pessoa deseja exemplificar o que se é dito. Putz! Aí, é ladeira abaixo.
Simplesmente porque é nessa abordagem que reside o perigo: “... veja como eu faço!”, e o(a) querido(a) freguês(a), portador(a) de entusiasmado enunciado, enfiando as fuças contra o muro de concreto.
Porque é esse gesto que assegura a ‘trombada’ das coisas. Uma espécie de ‘fim-de-mundo-virado-do-avesso’ em que se perde por completo a sensibilidade fundamental e necessária para ‘entender o(a) outro(a)’, ‘estar “na pele” do(a) outro(a)’, ‘compreender a mecânica’ presente no outro lado da conversa a fim de se conhecer, finalmente, os motivos que asseguram tempos vindouros terríveis contra alguém que passa por um perrengue singular.
Pode piorar?! Opa! Só pode! Quando esse gesto ‘exemplificador’ e falido já em seu nascedouro é incorporado como ‘estilo-de-vida’. A pessoa está se arrombando, mas nada faz, definitivamente, para mudar a trajetória.
Perde-se o entendimento dos valores reais dos isolamentos temporários, das ‘mudanças de rota’, dos resgastes dos talentos, do trabalho hercúleo que se tem para o alcance de dias bem, bem melhores.
Não se trata, aqui, dos ‘gestos violentos’, agressivos, doença grave desde que o mundo é mundo. Um(a) babaca pode até ser violento(a), agressivo(a), mas nem toda violência e/ou agressividade pode ser considerada uma ‘babaquice’. É algo bem, bem mais sério.
Assim, iniciam-se os trabalhos semanais dessa caminhante Mercearia com a astuta recomendação de um querido freguês em torno do tema: não há problema algum em ser idiota! Sejam babacas e imbecis. Sejam babacas e imbecis até não poder mais! Mas, por favor... não passem recibo!
Porque, aí... é de foder!



Marcelo Rayel Correggiari
nasceu em Santos há 48 anos
e vive na mítica Vila Belmiro.
Formado em Letras,
leciona Inglês para sobreviver,
mas vive mesmo é de escrever e traduzir.
É avesso a hermetismos
e herméticos em geral,
e escreve semanalmente em
LEVA UM CASAQUINHO

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