Wednesday, December 14, 2016

A NOVA ESTRAVAGÂNCIA CINEMATOGRÁFICA DE PAUL VERHOEVEN (por Fábio Campos)



Aos 78 anos de idade, Paul Verhoeven é um dos diretores mais subestimados do cinema, provavelmente por ter alcançado grandes sucessos de bilheteria ao longo de sua carreira. Muitos "formadores de opinião" não perdoam isso no mundo do cinema. O fato é que seus blockbusters sempre estiveram, inegavelmente, muito acima da média da categoria.

Todos os filmes de Paul Verhoevem tem uma característica em comum: quase sempre carregam nas tintas, justamente pra enfatizar o que o diretor pretende criticar. Robocop, por exemplo, era violentíssimo, justamente para criticar a violência. Já Instinto Selvagem exagerava na exibição da mulher como objeto, justamente para enfatizar as habilidades da protagonista em utilizar aquilo tudo a seu favor. Quanto a O Vingador do Futuro, foi um dos filmes que melhor explorou Schwarzenegger e, mesmo com a ação desenfreada, conseguiu mostrar uma visão interessante de futuro.

(pra reforçar essa tese, Robocop e O Vingador do Futuro tiveram refilmagens bem inferiores aos originais... ok, Verhoeven também realizou o abacaxi Showgirls, se bem que há quem o defenda hoje em dia, chamando-o de "melhor pior filme de todos os tempos"... eu, pessoalmente, acho uma merda mesmo... ah, e tem ainda Tropas Estelares, que derrubou de vez seu prestigio em Hollywood... aqui Veehoeven carregou nas tintas para criticar as sociedades totalitárias, e errou a medida de tal maneira que acabou sendo acusado de fascista... na minha modesta opinião, isso é uma grande bobagem: para mim, Tropas Estelares é diversão de primeira...)

A partir do bom A Espiã, Verhoeven teve que voltar a filmar na Europa.

E, com isso, chegamos a Elle.

O filme conta a história de Michele, uma executiva da indústria de vídeo games, que sofre um estupro e decide não ir à policia fazer a denuncia.

Mais uma vez partimos do extremo para enfatizar justamente o contrario. Michele, vive num mundo onde controla tudo. Os funcionários, em sua enorme maioria homens, da sua companhia, seu ex-marido, seu amante, seu filho e, até sua sócia. Tudo é muito previsível no seu universo, o estupro lhe instiga porque, por um momento, lhe tira o controle. Aquilo a acaba excitando. Para piorar, o ofensor passa a enviar mensagens, instigando a sua curiosidade e despertando desejo.

Um argumento desses pode parecer à primeira vista um tanto machista -- e o filme foi realmente acusado por alguns mais apressados de ser machista --, mas, curiosamente, ele é, isso sim, extremamente feminista. Há tempos não vejo um filme que realce tanto a posição de poder da mulher. A mulher surge tão independente que tem a liberdade de optar por ser submetida a uma relação violenta e, logo a seguir, inverter os papeis, passando a ser o dominante da relação. Aliás, todos os homens no filme são apresentados como fracos. E as mulheres sempre têm alguma força e inteligência, sendo que mesmo a vizinha extremamente religiosa e a namorada vulgar do filho tem momentos de extrema lucidez. Já os homens beiram o ridículo.

Desfilam em torno de Michelle todos os tipos de homens. O ex-marido com uma namorada mais nova –- até ela é mostrada como muito mais interessante do que ele -- não consegue se afastar dela. O amante que vive na posição de dominado, apesar de se achar no domínio da situação. O vizinho, que se atrapalha todo com os avanços de Michele. Os funcionários, todos facilmente manipuláveis. E, finalmente, o filho, que é um completo idiota, e é feito de gato e sapato pela namorada.

Todo esse panorama poderia ir por água abaixo se a atriz principal de Elle não fosse a magnífica Isabelle Huppert. A frieza, o desprezo e a segurança com que sua Michele transita pelo filme é impressionante, sempre no tom exato! Ela é completamente autossuficiente, e com isso é possível acreditar no interesse despertado pelo estupro frente à monotonia da relação com os outros homens. Não há dúvida que uma atuação abaixo ou acima do tom adotado por ela arruinaria o filme.

O poder da mulher é o grande tema aqui em Elle. Os riscos que Verhoeven se dispôs a correr aqui para contar a história de Michelle são, com certeza, a maior virtude deste filme -- que pode não ser grande, mas é impressionante, e merece ser visto e discutido.

ELLE
(Elle, 2016, 130 minutos)

Direção
Paul Verhoeven

Roteiro
Paul Verhoeven
Phillipe Dijan

Elenco
Isabelle Huppert
Virginie Efira
Laurent Lafitte
Anne Consigny

em cartaz em São Paulo
ainda inédito em Santos






Fábio Campos convive com filmes e música
desde que nasceu, 50 anos atrás.
Seus textos sobre cinema passam ao largo
do vício da objetividade que norteia
a imensa maioria dos resenhistas.
Fábio é colaborador contumaz
de LEVA UM CASAQUINHO.




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