Thursday, December 1, 2016

NÃO TENHO NADA CONTRA... SÓ PRECISO DE FÉRIAS (uma crônica de Marcelo Rayel Correggiari)



Quem torceu, está feliz. Tudo muito recente, é verdade. Vários desafios a serem domados dentro desse mundo novo que se descortina. O mais importante: lado-a-lado com pessoas cujo principal objetivo do dia é cumprir uma missão dada, sem derrapar no embuste de ser um RP de si próprio(a). Até hoje ainda não tenho muito claro quem chega primeiro: a criatura ou o criador. O agente da criação é de importância relativa: uma boa obra, além de eterna, fala por si e por todos. No mais, uma enorme sensação de empulhação, uma aporrinhação da qual me vejo cada vez mais distante. E tem sido bem gostoso assim, por incrível que pareça. Faria até parte de uma ‘classe’, ou de uma ‘categoria’, se não existisse tanta manobra e ‘xixi-no-poste’. O mais incrível nisso tudo é a quantidade abissal de seres que se submetem a isso. Esse início de férias tem sido bem bom: não tenho nada contra as coisas como elas são, mas venho tendo cada vez menos a favor. Simplesmente o posto: não mexo mais com isso. Até mexo, mas estou de férias, entende?! Então, eu não mexo mais. Porque é preciso certo estômago para andar em calçadas ladeadas por cavalos brancos coreanos, ou por pés alvos em sandálias igualmente imaculadas. Tudo ‘branquinho’, sabe?! ‘Branquinho’ como disfarce de auras carregadíssimas. Há mais de 30 dias, decidi: “’tô’ de férias... não mexo mais com isso!”. Até mexo, mas hoje não faço mais o papel de bureau veritas em movimentos de alma para lá de sinistros. Ainda se ganhasse algum tipo de citação, breve reverência, duas mariolas secas e um guaraná caçulinha, até pensaria no assunto. Entretanto, quando somente um dos lados ‘sempre precisa’ e sequer manifesta um singelo ‘muito obrigado’ nem que fosse por e-mail, há de se pensar no que realmente importa. Então, foi assim: hoje, destino-me à consistência material, e está tudo bem. Até guardaria algum tipo de mágoa, o que é normal em ‘vida-equilibrada’, mas volto a repetir que está tudo bem: até para isso cansei. Foi um tombo lindo, 11 meses de hemorragia, carne-viva em camisa áspera. Então, ficamos assim: se cada um vê o seu lado, eu verei o meu. Talvez, quem sabe, n’algum dia, sentaremos à mesma mesa. Ou não. Da minha parte, sigo adiante e jamais esqueço da minha essência: essa aqui, semanal, de Mercearia. Disso aqui eu gosto, dá prazer, compõe o que verdadeiramente sou. As demais manobras já não me pertencem faz tempo. Portanto, estão nas mãos de todo mundo, está tudo certo. Estou de férias. Nada contra, nem tampouco a favor, fico aqui no meu cantinho observando o teatrinho. Saio de cena porque a cena não me pertence, não tem nada a ver comigo, não foi feita para estar nela. É bastante cansativo ser escalado para a encenação sem ser consultado, sem uma boa conversa decente, um acordo que preste. Assim, saio dela e não atrapalho mais ninguém. Estou de férias, não sei se volto, se volto tão cedo, se é que volto. Acredito em Literatura mais do que em sua missão, seus ministérios, adjacências, anexos e penduricalhos. Não acredito em enquadramento sem consulta prévia. Tudo será muito fácil quando conversado, sempre, ‘a priori’. O acordado não sai caro. Cada um faz o seu e fiquem tranquilos que eu não mexo mais com isso. Não se preocupem, estou de férias. Talvez, não volte. Viagem longa, em outro universo, um que ninguém consegue alcançar, entrar. Quem sabe, um dia, alguém consiga estar lá. Ou não. Tudo depende do querer, de verdade, deixar de lado a manipulação de cenários onde quase todo mundo é coadjuvante, bichinhos insignificantemente secundários. Muita estratégia, muito bulir, manobra é o caralho! Não fui ouvido antes, agora, não preciso falar. E tudo fica muito bem, para todos. Continuo, quem sabe, espantado como são tratados o coração que pulsa, a veia que sangra, o que vai no fundo do que se sente. Esse eterno cagaço de passar a lupa sobre a própria dor e colocá-la ampliada dentro de si. Para a transformação, a transformação para melhor, um lugar para bons afetos. Um lugar onde a doença raramente vence, manipula, ou reduz o amor a um coleguismo bem tépido. Somos grandes se somos fantoches. Se não somos, o desaparecimento. Por isso, não se preocupem: estou de férias. Não tenho nada contra, mas sinto que eventualmente não tenho nada a favor.



Marcelo Rayel Correggiari
nasceu em Santos há 48 anos
e vive na mítica Vila Belmiro.
Formado em Letras,
leciona Inglês para sobreviver,
mas vive mesmo é de escrever e traduzir.
É avesso a hermetismos
e herméticos em geral,
e escreve semanalmente em
LEVA UM CASAQUINHO




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