Wednesday, December 28, 2016

CARLOS CIRNE INDICA 2 BONS FILMES DE FIM DE ANO: "CAPITÃO FANTÁSTICO" E "NERUDA"

CAPITÃO FANTÁSTICO - UM EXCELENTE
EXERCÍCIO DE REFLEXÃO

por Carlos Cirne para Colunas & Notas


Ben e Leslie Cash (Viggo Mortensen e Trin Miller) escolheram um estilo alternativo de vida, focado na natureza em contraposição aos valores da sociedade de consumo, opressiva e fascista, em suas opiniões. E criaram seus seis filhos dentro destas convenções, afastados da vida urbana – no frio estado de Washington, no noroeste dos EUA -, mas não da cultura e do cuidado com o próprio corpo. As crianças estudam em casa – e não há matéria inadequada ou pergunta não respondida –, além de receberem intenso treinamento físico. De Platão a escaladas sob a chuva, nada é desafiador o suficiente para esta família.

Quando “Capitão Fantástico” inicia, os Cash estão justamente em um destes treinamentos, durante a ausência da mãe para um tratamento, num hospital de Sacramento. Ela sofre de transtorno bipolar, num estado que não tem perspectivas de melhora. A ponto de, repentinamente se suicidar. E a família tem que se deslocar até o Novo México para os funerais da mãe. Contra a vontade do avô, Jack (Frank Langella), que culpa Ben pela morte da filha.

E esta viagem trará todo tipo de desafio para esta insólita família, onde absolutamente tudo é discutido às claras e à exaustão, até que cada um tenha chance de expor seu ponto de vista. A única coisa que se esquece é que as crianças são, fundamentalmente, crianças. E por mais esclarecidas que sejam, continuam tendo todo tipo de hesitação, decorrente de sua própria inexperiência prática da vida. Os livros nem sempre se aplicam na vida cotidiana. Um exemplo disso é o filho mais velho, Bodevan (o excelente George MacKay) que, ao ter disparada a primeira carga hormonal em seu sistema, decorrente de um tímido beijo adolescente, se descontrola a ponto de pedir a garota em casamento, o que obviamente é encarado como uma brincadeira.

O diretor Matt Ross (ator, com apenas quatro créditos em direção) consegue com este seu “Capitão Fantástico” uma inspirada crítica ao “american way of life”, em suas duas grandes vertentes: os ricos corporativistas – na figura de Frank Langella –, e os radicais preservacionistas, e seus métodos completamente heterodoxos, representado por toda a família de Ben (Mortensen). Não deixa de ser muito interessante o fato de as crianças não terem qualquer tipo de censura – inclusive quanto a praticarem saques num supermercado – e não comemorarem o Natal, mas sim o aniversário de Noam Chomsky (EUA 1928, filósofo e ativista político, pai da linguística moderna). E nesta data receberem de presentes não brinquedos, mas armas brancas extremamente letais. É especialmente engraçada a cena em que se discute a obesidade da população americana. Contundente e sintomático, um excelente exercício de reflexão. Seja com que lado você concorde. Ou até com nenhum deles. Não perca!


CAPITÃO FANTÁSTICO
(Captain Fantastic – 2016 – 118 minutos)

Direção
Matt Ross

Elenco
Viggo Mortensen
Frank Langella
Steve Zahn
Trin Miller
George MacKay
Samantha Isler
Annalise Basso
Nicholas Hamilton
Shree Crooks
Charlie Shotwell

Em cartaz no Cinespaço Miramar Shopping, com sessões às 16h e 20h50 (até 28/12) e às 15h40 e 20h40 (a partir de 29/12)


NERUDA - FOCANDO AS BATERIAS
CONTRA OS PODERES ESTABELECIDOS

por Carlos Cirne para Colunas & Notas


O mais novo filme de Pablo Larraín a estrear no Brasil, “Neruda” (2016), chega como uma espécie de ode ao ego. Ao ambientar o filme no período pós-Segunda Guerra Mundial, com a instalação da Guerra Fria entre Ocidente e Oriente, o roteirista Guillermo Calderón (o mesmo de “O Clube”, 2015), cria um paralelo entre o vaidoso poeta, vencedor do prêmio Nobel, Pablo Neruda (Luis Gnecco), e seu perseguidor – por ordem das forças de repressão chilenas -, o policial Óscar Peluchonneau (Gael García Bernal). Ambos não se contentaram, cada um à sua maneira, em passar à História em branco.

Neruda, o senador comunista que não enjeitava conforto, uma boa mesa, um bom vinho ou uma bela mulher – apesar de casado com a artista plástica argentina Delia del Carril (Mercedes Morán) -, não se contentou em escapar do Chile de maneira incógnita. Queria que sua fuga tivesse um tom grandioso – e assim sucedeu – de modo a valorizar a bravura de seus atos. Não bastava entrar num avião. Havia que ser através da neve dos Andes, a cavalo, sob as intempéries. Um verdadeiro épico. Já seu “algoz”, Peluchonneau, não se contentou em ser um personagem coadjuvante nesta jornada. Sua tenacidade foi recompensada com o reconhecimento público, por parte de Neruda.

A escolha de elenco, a princípio pode ter parecido estranha aos olhos do público. Gnecco é reconhecido humorista no Chile, tendo inclusive assumido o papel que foi de Ricky Gervais e Steve Carell, na versão chilena de “The Office”; já Bernal, pode ser visto, hoje, na premiada série da Amazon, “Mozart in the Jungle”, como um regente sinfônico, na Nova York atual. Mas as improváveis personificações acabam resultando bem, no conjunto.

Já o diretor, o instigante Pablo Larraín, novamente foca suas baterias contra os poderes estabelecidos, seja do Estado ou da Igreja, como já acontecera antes em “No” (2012) e “O Clube” (2015), e deve acontecer também na aguardada cinebiografia da mais famosa primeira-dama norte-americana, Jacqueline Kennedy, a ser lançada em 2 de março no Brasil, “Jackie” (2016), protagonizada por Natalie Portman. Aqui em "Neruda", ele lança mão da fotografia soturna, principalmente em cenas de externa, que já marcaram seu trabalho em “O Clube”. Só que neste caso, ele reserva para os interiores a riqueza dos tons avermelhados – principalmente para as cenas nas diversas casas de tolerância que o poeta com frequência visitava.

Com esmerada reconstituição histórica, e direção de arte precisa, o filme peca apenas pela permanente narração em off, que está presente em praticamente todas as cenas, e pela aparente longa duração (nem é tão longo assim, mas parece se estender em determinados pontos), que acabam por interferir de maneira errada no desenrolar da ação. Afinal, nem tudo precisa ser explicado para o público. No geral, um bom filme. Experimente.


NERUDA
(Neruda - 2016 - 107 minutos)

Direção
Pablo Larraín

Elenco
Gael García Bernal
Luis Gnecco
Alfredo Castro
Pablo Derqui
Mercedes Morán
Emilio Gutiérrez Caba

Em cartaz no Cinespaço Miramar Shopping, com sessões às 14h30, 16h40, 18h50 e 21h


Carlos Cirne é crítico de Cinema
e há 14 anos produz diariamente
com o crítico teatral Marcelo Pestana
a newsletter COLUNAS E NOTAS,
de onde o texto acima foi colhido.



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