Thursday, August 4, 2016

81 COM PIQUE DE 18 (uma crônica de Ademir Demarchi)



É, com a barulhada toda, parecia o fim.

A velhinha de 81 anos se olhou no espelho e, por estar diante dele, se achou com a idade invertida.

Dezoito anos!

O vestidinho florido, a bolsa de couro, os sapatos de salto altos. Naquela última olhada tudo parecia combinar.

O batom vermelho sanguíneo, as faces coradas de maquiagem, uns tons acima que fariam um circense de nariz vermelho convidá-la ao trabalho. Apertou os olhinhos, estava sem óculos, nem viu.

Catou o celular, partiu olhando-se uma vez mais em cada um dos lados dos espelhos do elevador. Frente, verso, lado A e lado B do LP. Tudo redondo da academia. Na cabeça ainda soava um samba antigo que girava na preservada vitrola da sala, um rabo que ainda gania do que restou do falecido.

Chegando à garagem, entrou no Onda Fiti, nesse mesmo, tal como ela dizia, já pensando em ocupar uma das inúmeras vagas no shopping reservadas para ela usar, sem estresse, todas lá esperando. Embicou a rampa de descida com o carro e a partir daí pegou uma onda com o Onda, que ficou mais automático que nunca, mais independente que ela, que depois alegou perda de controle. Tudo muito rápido!

Quando chegou ao fim da rampa, atropelou duas moças. Uma pulou de lado e caiu se arranhando no chão, xingando velha filha da puta! A outra carimbou o bico no para-brisa, que ficou vermelho, não de sangue, afinal ainda não era o Apocalipse, mas de batom.

Espalmada no capô e no para-brisa, a moça ficou fazendo parte do carro, que a levou junto. Veja como não era o fim do mundo: não estava passando nenhum carro na avenida naquele momento. O Onda, não tendo sido abalroado, depois de descer a rampa cruzou a via, subiu na calçada, atropelou a mureta do canal e caiu dois metros abaixo, na água, com a velha e com a nova, que teve a sorte de não ter as pernas, digamos, apocalipsadas de vez.

Não chegou a ser perda total, nem perda de controle total, dizia ela ao delegado, pois viu tudo mas não conseguiu parar o carro. Isso foi logo depois de sair do hospital sem nenhum arranhão, nem na maquiagem, logo conferida, a ponto do delegado pensar “essa aí está correndo perigo de vida, pois de morte é que não está”.


Ademir Demarchi é santista de Maringá, no Paraná,
onde nasceu em 7 de Abril de 1960.
Além de poeta, cronista e tradutor,
é editor da prestigiada revista BABEL.
Possui diversos livros publicados.
Seus poemas estão reunidos em "Pirão de Sereia"
e suas crônicas em "Siri Na Lata",
ambos publicados pela Realejo Edições.
Suas crônicas, que saem semanalmente
no Diário do Norte do Paraná, de Maringá,
passam a ser publicadas todas as quintas
aqui em Leva Um Casaquinho


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