Sunday, August 7, 2016

POEMINHA DE SEGUNDA: O UIVO (de Allen Ginsberg)



O Uivo
Para Carl Solomon
 I

Eu vi os expoentes da minha geração, destruídos pela 
    loucura, morrendo de fome, histéricos, nus, 
arrastando-se pelas ruas do bairro negro de madrugada
    em busca de uma dose violenta de qualquer coisa,
hipsters com cabeça de anjo ansiando pelo antigo
    contato celestial com o dínamo estrelado da 
    maquinaria da noite,
que pobres esfarrapados e olheiras fundas, viajaram 
    fumando sentados na sobrenatural escuridão dos
    miseráveis apartamentos sem água quente, flutuando
    sobre os tetos das cidades contemplando o jazz,
que desnudaram seus cérebros ao céu sob o Elevado
    e viram anjos maometanos cambaleando iluminados
    nos telhados das casas de cômodos,
que passaram por universidades com olhos frios e 
    radiantes alucinando Arkansas e tragédias à luz 
    de Blake entre os estudiosos da guerra,
que foram expulsos das universidades por serem loucos
    & publicarem odes obscenas nas janelas do crânio,
que se refugiaram em quartos de paredes de pintura
    descascada em roupa de baixo queimando seu 
    dinheiro em cestos de papel escutando o Terror 
    através da parede,
que foram detidos em suas barbas púbicas voltando
    por Laredo com um cinturão de marihuana para 
    Nova Iorque,
que comeram fogo em hotéis mal pintados ou
    beberam terebentina em Paradise Alley, morreram ou
    flagelaram seus torsos noite após noite com
    som, sonhos, com drogas, com pesadelos na vigília,
    álcool e caralhos em intermináveis orgias,
incomparáveis ruas cegas sem saída de nuvem trêmula,
    e clarão na mente pulando nos postes dos pólos de 
    Canadá & Paterson, iluminando completamente o
    mundo imóvel do Tempo intermediário,
solidez de Peiote dos corredores, aurora de fundo de 
    quintal das verdes árvores do cemitério, porre de vinho
    nos telhados, fachadas de lojas de subúrbio 
    na luz cintilante de neon do tráfego na 
    corrida de cabeça feita do prazer, vibrações de 
    sol e lua e árvore no tronco de crepúsculo de 
    inverno de Brooklyn, declamações entre latas 
    de lixo e a suave soberana luz da mente,
que se acorrentaram aos vagões do metrô para o
    infindável percurso do Battery ao sagrado Bronx
    de benzedrina até que o barulho das rodas e 
    crianças os trouxesse de volta, trêmulos, a boca 
    arrebentada o despovoado deserto do cérebro
    esvaziado de qualquer brilho na lúgubre luz do Zoológico,
que afundaram a noite toda na luz submarina 
    de Bickford´s, voltaram à tona e passaram a tarde
    de cerveja choca no desolado Fuggazi´s escutando
    o matraquear da catástrofe na vitrola 
    automática de hidrogênio,
que falaram setenta e duas horas sem parar do
    parque ao apê ao bar ao Hospital Bellevue ao 
    Museu à Ponte do Brooklyn,
batalhão perdido de debatedores platônicos saltando
    dos gradis das escadas de emergência dos parapeitos
    das janelas do Empire State da Lua,
tagarelando, berrando, vomitando, sussurrando fatos
    e lembranças e anedotas e viagens visuais e choques
    nos hospitais e prisões e guerras,
intelectos inteiros regurgitados em recordação total 
    com os olhos brilhando por sete dias e noites,
    carne para a sinagoga jogada à rua,
que desapareceram no Zen de Nova Jersey de 
    lugar algum deixando um rastro de postais ambíguos
    do Centro Cívico de Atlantic City,
sofrendo suores orientais, pulverizações tangerianas
    de ossos e enxaquecas da China por causa da 
    falta da droga no quarto pobremente mobiliado de Newark,
que deram voltas e voltas à meia noite no pátio da 
    ferrovia perguntando-se aonde ir e foram, sem
    deixar corações partidos,
que acenderam cigarros em vagões de carga, vagões 
    de carga, vagões de carga, que rumavam ruidosamente 
    pela neve até solitárias fazendas dentro da noite do avô,
que estudaram Plotino, Poe, São João da Cruz, telepatia
    e bop-cabala pois o Cosmos instintivamente
    vibrava a seus pés em Kansas,
que passaram solitários pelas ruas de Idaho procurando
    anjos índios e visionários que eram anjos índios e visionários
que só acharam que estavam loucos quando Baltimore
    apareceu em estase sobrenatural,
que pularam em limusines com o chinês de Oklahoma
    no impulso da chuva de inverno na luz das ruas
    da cidade pequena à meia-noite,
que vaguearam famintos e sós por Huston procurando
    jazz ou sexo ou rango e seguiram o espanhol 
    brilhante para conversar sobre a América e a Eternidade,
    inútil tarefa, e assim embarcaram
    num navio para a África,
que desapareceram nos vulcões do México 
    nada deixando além da sombra das suas calças
    rancheiras e a lava e a cinza da poesia espalhadas
    pela lareira Chicago,
que reapareceram na Costa Oeste investigando o FBI
    de barba e bermudas com grandes olhos pacifistas
    e sensuais nas suas peles morenas, distribuindo
    folhetos ininteligíveis,
que apagaram cigarros acesos nos seus braços
    protestando contra o nevoeiro narcótico de 
    tabaco do Capitalismo,
que distribuiram panfletos supercomunistas em Union
    Square, chorando e despindo-se enquanto as 
    Sirenes de Los Alamos os afugentavam gemendo
    mais alto que eles e gemiam pela Wall Street e 
    também gemia a balsa de Staten Island
que caíram em prantos em brancos ginásios desportivos,
    nus e trêmulos diante da maquinaria de outros esqueletos,
que morderam policiais no pescoço e berraram de 
    prazer nos carros de presos por não terem cometido 
    outro crime a não ser sua transação pederástica e tóxica,
que uivaram de joelhos no metrô e foram arrancados do 
    telhado sacudindo genitais e manuscritos,
que se deixaram foder no rabo por motociclistas 
    santificados e berraram de prazer,
que enrabaram e foram enrabados por esses serafins
    humanos, os marinheiros, carícias de amor
    atlântico e caribeano,
que transaram pela manhã e ao cair da tarde em 
    roseirais, na grama de jardins públicos e cemitérios,
    espalhando livremente seu sêmen para 
    quem quisesse vir,
que soluçaram interminavelmente tentando gargalhar
    mas acabaram choramingando atrás de um tabique
    de banho turco onde o anjo loiro e nu veio 
    trespassá-los com sua espada,
que perderam seus garotos amados para as três
    megeras do destino, a megera caolha do dólar heterossexual, megera caolha que pisca de 
    dentro do ventre e a megera caolha que só sabe 
    sentar sobre sua bunda retalhando os dourados 
    fios intelectuais do tear do artesão,
que copularam em êxtase insaciável com um garrafa
    de cerveja, uma namorada, um maço de cigarros, uma
    vela, e caíram na cama e continuaram 
    pelo assoalho e pelo corredor e terminaram 
    desmaiando contra a parede com uma visão da 
    boceta final e acabaram sufocando o derradeiro lampejo da 
    consciência,
que adoçaram as trepadas de um milhão de garotas
    trêmulas ao anoitecer, acordaram de olhos vermelhos
    no dia seguinte mesmo assim prontos
    para adoçar trepadas na aurora, bundas luminosas 
    nos celeiros e nus no lago,
que foram transar em Colorado numa miríade de 
    carros roubados à noite, N.C., herói secreto destes
    poemas, garanhão e Adônis de Denver – prazer 
    ao lembrar suas incontáveis trepadas com garotas
    em terrenos baldios & pátios dos fundos de 
    restaurantes de beira de estrada, raquíticas fileiras 
    de poltronas de cinema, picos de montanha
    cavernas com esquálidas garçonetes no 
    familiar levantar de saias solitário à beira da 
    estrada & especialmente secretos solipsismos de
    mictórios de postos de gasolina & becos da cidade
    natal também,
que se apagaram em longos filmes sórdidos, foram 
    transportados em sonho, acordaram num
    Manhattan súbito e conseguiram voltar com uma
    impiedosa ressaca de adegas de Tokay e horror 
    dos sonhos de ferro da Terceira Avenida &
    cambalearam até as agências de desemprego,
que caminharam a noite toda com os sapatos cheios
    de sangue pelo cais coberto por montões de 
    neve, esperando que uma porta se abrisse no
    East River dando para um quarto cheio de vapor e ópio,
que criaram grandes dramas suicidas nos penhascos
    de apartamentos do Huston à luz azul de holofote
    antiaéreo da luta & suas cabeças receberão
    coroas de louro no esquecimento,
que comeram o ensopado de cordeiro da imaginação
    ou digeriram o caranguejo do fundo lodoso dos
    Rios de Bovery,
que choraram diante do romance das ruas com seus
    carrinhos de mão cheios de cebola e péssima música,
que ficaram sentados em caixotes respirando a 
    escuridão sob a ponte e ergueram-se para construir
    clavicórdios em seus sótãos, 
que tossiram num sexto andar do Harlem coroando de
    chamas sob um céu tuberculoso rodeados pelos
    caixotes de laranja da teologia,
que rabiscaram a noite toda deitando e rolando sobre
    invocações sublimes que ao amanhecer amarelado
    revelaram-se versos de tagarelice sem sentido,
que cozinharam animais apodrecidos, pulmão coração 
    pé rabo borsht & tortilhas sonhando com 
    o puro reino vegetal, 
que se atiraram sob caminhões de carne 
    em busca de um ovo,
que jogaram seus relógios do telhado fazendo seu
    lance de aposta pela Eternidade fora do Tempo 
    & despertadores caíram em suas cabeças por
    todos os dias da década seguinte,
que cortaram seus pulsos sem resultado três vezes
    seguidas, desistiram e foram obrigados a abrir
    lojas de antiguidades onde acharam que estavam
    ficando velhos e choraram,
que foram queimados vivos em seus inocentes 
    ternos de flanela em Madison Avenue no meio das
    rajadas de versos de chumbo & o estrondo contido
    dos batalhões de ferro da moda & os guinchos
    de nitroglicerina das bichas da propaganda & 
    o gás mostarda de sinistros editores inteligentes 
    ou foram atropelados pelos taxis bêbados
    da Realidade Absoluta,
que se jogaram da ponte de Brooklyn, isso realmente
    aconteceu, e partiram esquecidos e desconhecidos 
    para dentro da espectral confusão das ruelas
    de sopa & carros de bombeiros de Chinatown,
    nem uma cerveja de graça,
que cantaram desesperados nas janelas, jogaram-se
    da janela do metrô saltaram no imundo rio
    Paissac, pularam nos braços dos negros, choraram
    pela rua afora, dançaram sobre garrafas
    quebradas de vinho descalços arrebentando
    nostálgicos discos de jazz europeu dos anos 30
    na Alemanha, terminaram o whisky e vomitaram 
    gemendo no toalete sangrento, lamentações nos 
    ouvidos e o sopro de colossais apitos a vapor,
que mandaram brasa pelas rodovias do passado
    viajando pela solidão da vigília da cadeia de 
    Gólgota de carro envenenado de cada um ou então
    a encarnação do Jazz de Birmingham,
que guiaram atravessando o país durante setenta e duas
    horas para saber se eu tinha tido uma visão ou se ele tinha
    tido uma visão para descobrir a Eternidade,
que viajaram para Denver, que morreram em Denver,
    que retornaram a Denver & esperaram em vão,
    que espreitaram Denver & ficaram parados pensando
    & solitários em Denver e finalmente partiram 
    para descobrir o Tempo & agora Denver está 
    saudosa de seus heróis,
que caíram de joelhos em catedrais sem esperança
    rezando por sua salvação e luz e peito até que a 
    alma iluminasse seu cabelo por um segundo,
que se arrebentassem nas suas mentes na prisão 
    aguardando impossíveis criminosos de cabeça 
    dourada e o encanto da realidade em seus corações
    que entoavam suaves blues de Alcatraz,
que se recolheram ao México para cultivar um
    vício ou às Montanhas Rochosas para o suave
    Buda ou Tânger para os garotos do Pacífico Sul
    para a locomotiva negra ou Havard para Narciso
    para o cemitério de Woodlaw para a coroa 
    de flores para o túmulo,
que exigiram exames de sanidade mental acusando 
    o rádio de hipnotismo & foram deixados com sua 
    loucura & e mãos & um júri suspeito,
que jogaram salada de batata em conferencistas da 
    Universidade de Nova Iorque sobre Dadaísmo
    e em seguida se apresentaram nos degraus de 
    granito do manicômio com cabeças raspadas e 
    fala de arlequim sobre suicídio, exigindo 
    lobotomia imediata,
e que em lugar disso receberam o vazio concreto da
    insulina metrazol choque elétrico hidroterapia
    psicoterapia terapia ocupacional pingue-pongue
    & amnésia,
que num protesto sem humor viraram apenas uma
    mesa simbólica de pingue-pongue mergulhando 
    logo a seguir na catatonia, 
voltando anos depois, realmente calvos exceto por 
    uma peruca de sangue e lágrimas e dedos 
    para a visível condenação de louco nas celas das
    cidades-manicômio do Leste,
Pilgrim State, Rockland, Greystone, seus corredores
    fétidos, brigando com os ecos da alma, agitando-se
    e rolando e balançando no banco de solidão à 
    meia-noite dos domínios de mausoléu
    druídico do amor, o sonho da vida um 
    pesadelo, corpos transformados em pedras
    tão pesadas quanto a lua,
com a mãe finalmente ***** e o último livro
    fantástico atirado pela janela do cortiço e a última
    porta fechada às 4 da madrugada e o último 
    telefone arremessado contra a parede em 
    resposta e o último quarto mobiliado esvaziado até
    a última peça de mobília mental, uma rosa de papel
    amarelo retorcida num cabide de arame do armário
    e até mesmo isso imaginário, nada mais 
    que um bocadinho esperançoso de alucinação –
ah, Carl, enquanto você não estiver a salvo eu não
    estarei a salvo e agora você está inteiramente
    mergulhado no caldo animal total do tempo – 
e que por isso correram pelas ruas geladas obcecadas
    por um súbito clarão da alquimia do uso da elipse
    do catálogo do metro inviável & do plano vibratório,
que sonharam e abriram brechas encarnadas no 
    Tempo & Espaço através de imagens justapostas 
    e capturaram o arcanjo da alma entre 2 imagens
    visuais e reuniram os verbos elementares e 
    juntaram o substantivo e o choque da consciência
    saltando numa sensação de Pater Omnipotens
    Aeterne Deus,
para recriar a sintaxe e a medida da pobre prosa 
    humana e ficaram parados à sua frente, mudos e
    inteligentes e trêmulos de vergonha, rejeitados
    todavia expondo a alma para conformar-se ao
    ritmo do pensamento em sua cabeça nua e infinita,
o vagabundo louco e Beat angelical no Tempo, 
    desconhecido mas mesmo assim deixando aqui 
    o que houver para ser dito no tempo após a morte,
e se reergueram reencarnados na roupagem 
    fantasmagórica do jazz no espectro de trompa
    dourada da banda musical e fizeram soar o 
    sofrimento da mente nua da América pelo 
    amor num grito de saxofone de eli eli lama lama
    sabactani que fez com que as cidades tremessem
    até seu último rádio,
com o coração absoluto do poema da vida arrancado
    de seus corpos bom para comer por mais mil anos.


II

Que esfinge de cimento e alumínio arrombou seus
   crânios e devorou seus cérebros e imaginação?
Moloch! Solidão! Sujeira! Fealdade! Latas de
   lixo o dólares intangíveis! Crianças berrando 
   sob as escadarias! Garotos soluçando nos 
   exércitos! Velhos chorando nos parques!
Moloch! Moloch! Pesadelo de Moloch! Moloch o 
   mal-amado! Moloch mental! Moloch o pesado
   juiz dos homens!
Moloch a incompreensível prisão! Moloch o 
   presídio desalmado de tíbias cruzadas e o Congresso
   dos Sofrimentos! Moloch cujos prédios são 
   julgamento! Moloch a vasta pedra da guerra!
   Moloch os governos atônitos!    
Moloch cuja mente é pura maquinaria! Moloch cujo
   sangue é dinheiro corrente! Moloch cujos
   dedos são dez exércitos! Moloch cujo peito é
   um dínamo canibal! Moloch cujo ouvido é
   um túmulo fumegante!
Moloch cujos olhos são mil janelas cegas! Moloch
   cujos arranha-céus jazem ao longo de ruas como
   infinitos Jeovás! Moloch cujas fábricas sonham
   e grasnam na neblina! Moloch cujas colunas de fumaça
   e antenas coroam as cidades!
Moloch cujo amor é interminável óleo e pedra!
   Moloch cuja alma é eletricidade e bancos!
   Moloch cuja pobreza é o espectro do gênio!
   Moloch cujo destino é uma nuvem de hidrogênio
   sem sexo! Moloch cujo nome é a Mente!
Moloch em que permaneço solitário! Moloch em 
   que sonho com anjos! Louco em Moloch!
   Chupador de caralhos em Moloch! Mal-amado
   e sem homens em Moloch!
Moloch que penetrou cedo na minha alma! Moloch
   em quem sou uma consciência sem corpo!
   Moloch que me afugentou do meu êxtase natural! 
   Moloch a quem abandono! Despertar em Moloch!
   Luz escorrendo do céu!
Moloch! Moloch! Apartamentos de robôs! Subúrbios 
   invisíveis! Tesouros de esqueletos! Capitais cegas!
   Indústrias demoníacas! Nações espectrais!
   Invencíveis hospícios! Caralhos de granito!
   Bombas monstruosas!
Eles quebraram suas costas erguendo Moloch ao Céu!
   Calçamento, arvores, rádios, toneladas! Levantando 
   a cidade ao Céu que existe e está em todo lugar 
   ao nosso redor!
Visões! Profecias! Alucinações! Milagres! Êxtases!
   Descendo pela correnteza do rio americano!
Sonhos! Adorações! Iluminações! Religiões! O 
   carregamento todo em bosta sensitiva!
Desabamentos! Sobre o rio! Saltos e crucificações!
    Descendo a correnteza! Ligados! Epifanias!
    Desesperos! Dez anos de gritos animais e suicídios! 
   Mentes! Amores novos! Geração louca! Jogados
   nos rochedos do Tempo!
Verdadeiro riso no santo rio! Eles viram tudo! O olhar
   selvagem! Os berros sagrados! Eles deram adeus!
   Pularam do telhado! Rumo à solidão! Acenando! Levando
   flores! Rio abaixo! Rua acima!


III

Carl Solomon! Eu estou com você em Rockland
   onde você está mais louco do que eu
Eu estou com você em Rockland
   onde você deve sentir-se muito estranho
Eu estou com você em Rockland
   onde você imita a sombra da minha mãe
Eu estou com você em Rockland
   onde você assassinou suas doze secretárias
Eu estou com você em Rockland
   onde você ri desse humor invisível
Eu estou com você em Rockland
   onde somos grandes escritores na mesma
   abominável máquina de escrever
Eu estou com você em Rockland
   onde seu estado se tornou muito grave e é
   noticiado pelo rádio
Eu estou com você em Rockland
   onde as faculdades do crânio não agüentam 
    mais os vermes dos sentidos
Eu estou com você em Rockland
   onde você bebe o chá dos seios das solteironas
   de Utica
Eu estou com você em Rockland
   onde você bolina os corpos das suas 
   enfermeiras as harpias do bronx
Eu estou com você em Rockland
   onde você grita de dentro de uma camisa de
   força que está perdendo o verdadeiro jogo
   de pingue-pongue do abismo
Eu estou com você em Rockland
   onde você martela o piano catatônico a alma
   é inocente e imortal e nunca poderia morrer 
   impiamente num hospício armado,
Eu estou com você em Rockland
   onde com mais de cinqüenta eletrochoques 
   sua alma nunca mais retornará a seu corpo de
   volta de sua peregrinação rumo a uma cruz
   no vazio
Eu estou com você em Rockland
   onde você acusa seus médicos de loucura e 
   prepara a revolução socialista hebraica contra
   o Gólgota nacional e fascista
Eu estou com você em Rockland
   onde você rasga os céus de Long Island e faz
   surgir seu Jesus vivo e humano do túmulo 
   sobre-humano
Eu estou com você em Rockland
   onde há mais de vinte e cinco mil camaradas
   loucos todos juntos cantando os versos finais da 
   Internacional 
Eu estou com você em Rockland
   onde abraçamos e beijamos os Estados Unidos 
   sob nossas cobertas Estados Unidos que 
   tossem a noite toda e não nos deixam dormir
Eu estou com você em Rockland
   onde despertamos eletrocutados do coma pelos
   nossos próprios aeroplanos da mente roncando
   sobre o telhado eles vieram jogar bombas 
   angelicais o hospital ilumina-se paredes imaginárias
   desabam Ó legiões esqueléticas correi para fora 
   Ó choque de misericórdia salpicado de estrelas 
   a guerra eterna chegou Ó vitória esquece tua roupa
   de baixo estamos livres
Eu estou com você em Rockland
   nos meus sonhos você caminha gotejante de volta
   de uma viagem marítima pela grande rodovia que
   atravessa a América em lágrimas até a porta do
   meu chalé dentro da Noite Ocidental.


Allen Ginsberg (1926-1997) foi não apenas
o poeta norte-americano de maior prestígio
da segunda metade do século XX,
mas também o grande rebelde romântico
e poeta-anarquista contemporâneo.
Promoveu, em parceria com Jack Ke­rouac, William Burroughs,
Gregory Corso e Lawrence Ferlinghetti,
uma revolução na linguagem e nos valores literários
que se transformou em rebelião coletiva,
na série de acontecimentos revolucionários
que foi o ciclo da Geração beat na década de 50,
e da contracultura e rebeliões juvenis dos anos 60 e 70.
Ginsberg e seus companheiros da Beat Generation
romperam com o beletrismo,
o exacerbado forma­lismo que dominava a criação poética
e o bom-mocismo do ambiente acadêmico.
O Uivo, publicado em 1956, rendeu um processo
por pornografia contra sua editora, a City Lights.
(por Claudio Willer)

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