Tuesday, August 23, 2016

CONHECIMENTO, VERDADE, PRAZER, ETCETERA (uma crônica de Flávio Colker)



Conhecimento, verdade, prazer etc.. Tem aquela famosa pergunta ridícula: qual o sentido da vida? A resposta é: a busca de sentido é o sentido da vida.. Eu faço outra pergunta: qual o prazer da vida? Eu entendo como vida, a experiência de estar consciente. Então, qual o prazer da consciência? O prazer da consciência é ser expandida: saber mais .. superar o que se sabe muitas vezes contradizendo o que sabia, mudando de idéia.

O prazer da consciência é o mesmo do universo: crescer e se multiplicar, influenciando. O prazer de estar consciente é o prazer de aprender. Aprender novas sensações em novos lugares. Aprender como funciona a natureza através da física, a matemática, a filosofia e a teologia. Até o amor acontece em consequência do desejo de aprender. A paixão acontece quando encontramos alguém que sabe sobre o amor.. Procure lembrar desses momentos… primeiro acontece a admiração, seja pela elegância física ou mental e depois a lógica do coração se estabelece: taí alguém que vai me mostrar algo sobre o amor. Antes da posse, aparece a consciência da vontade de aprender. Não por acaso, o amor entre aluno x professor é um caso clássico.

Vamos continuar com o aprendizado em lugares pouco ortodoxos. Por exemplo, a propaganda. A televisão anuncia um carro que é sinônimo de Liberdade, Aventura, Classe, Sexo…. Bobagem.. Essa receita está falida. Essa fase acabou.. As promessas de felicidade fornecidas por um nome tem sabor de decepção. Imediata quase.. Outro dia eu acompanhava um debate entre artesãos de bicicletas, feitas a mão.. sob medida. É um tipo de criação peculiar: a interação entre construtor, ciclista e maquina cria um caso de amor, uma busca de felicidade. No debate, os artesãos queriam um marketing que garantisse sua sobrevivência comercial. A mágica estaria no nome, na marca, segundo um publicitário que apareceu entre eles.. no culto a personalidade. Errado. O nome deve carregar algo consigo; conhecimento. Queremos a “coisa real” porque a vida é curta. Queremos ser admirados. Admiração pelo dinheiro apenas, é suspeita. Talvez o dinheiro não seja merecido. A admiracao inequívoca é oferecida aquele que conhece mais.. Conhecimento sobre o mecanismo dos materiais, sobre as possibilidades amorosas; sobre o espirito, o corpo e a mente humana.

Admiramos os mestres… e admiramos a hierarquia do saber. Nas artes marciais, a admiração pelo saber e o aprendizado acontecem com estrito respeito a hierarquia. Há um amor pela hierarquia no Dojo e admiração pelo mestre. As artes marciais cultuam mais o aprendizado do que a vitória no combate.

Admiramos os artistas pelo conhecimento das formas. O prazer de ouvir uma canção nasce da admiraçao pela perfeição melódica e instrumental. Admiramos uma bicicleta pelo conhecimento das formas mecânicas que ela contem. O conhecimento transmitido está na base de toda atração intelectual.

Eu ja pensava em escrever essas reflexões quando liguei a televisão na casa de uma amiga (não ligo TV em casa) e dei por acaso com um programa sobre a greve estudantil nas escolas secundarias. Um jornalista conversava com duas lideranças do movimento estudantil secundarista que teria invadido as escolas na cidade de São Paulo e interrompido as aulas. Um moço e uma moça eram entrevistados.. O que me chamava a atenção era a afirmativa dela: o governo do Estado não teria consultado os estudantes quando elaborou uma reforma no ensino. Se a moça dissesse que os professores não haviam sido consultados, faria sentido porque são eles que transmitem o conhecimento e portanto devem ter autoridade junto a burocracia. Os pais não foram ouvidos sobre mudanças na escola de seus filhos e foi um erro mas.. os estudantes de 12 a 17 anos se organizaram para decidir a politica educacional? Baseados em que conhecimento? Não..não era o caso. Era a burocracia politica e partidaria que mobilizava os estudantes para atacar a burocracia de outro partido; com fins de barganha, poder. Uma luta entre velhos, entre gente que blefa e se esconde atrás de meias verdades. A líder estudantil dizia na TV que os alunos desautorizaram o Estado mas não contou quem decidia o que dirigidos por quem. Meias verdades. Em principio, crianças não podem ensinar aos adultos como educá-los porque não sabem. A perda de hierarquia gera um horror como no filme IF com o Malcolm Mc Dowell… mas não era nem o caso. Políticos velhos se esconderam atrás de crianças para atacar outros politicos velhos. Esconderam a ascendência sobre as lideranças estudantis para jogar uma cartada, usando crianças como cartas de um blefe. A hierarquia das meias verdades justo no lugar aonde se ensina a verdade .. a escola.

Flavio Colker. Dezembro de 2015


Flávio Colker
é um dos maiores
fotógrafos brasileiros.
Conheça suas ideias
e seu trabalho
em seu blog



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