Tuesday, August 23, 2016

A GRANDE VIRADA E A FÁBULA: 2 CAUSOS COM OTACÍLIO DOS SANTOS (por Carlão Bittencourt)




“Não fumo, não bebo e não cheiro.
Só minto um pouquinho”
(Tim Maia)



A GRANDE VIRADA

Uma das equipes de criativos mais talentosas jamais reunidas foi o Dream Team. Liderada por Otacílio de Santos, aquela criação fez e aconteceu durante um tempão, numa antiga agência de São Paulo. E mais teria feito, não fosse a proposta do dono de outra super agência para que eles fossem para lá. O homem queria dar uma virada na casa.

O convite era irrecusável. Primeiro, porque se tratava do reconhecimento de uma das maiores agências do mercado ao trabalho daquele grupo de criativos. Depois, porque representava um novo desafio profissional. Por último, porque a proposta financeira beirava a estratosfera. Resultado: Otacílio e o Dream Team toparam.

Já nos primeiros dias de agência nova estavam totalmente à vontade. Criando como sempre e se divertindo como nunca.

Quarta-feira, três e pouco da tarde. O grupo estava a todo vapor, às voltas com uma campanha. Otacílio ligou para a copa e pediu gelo e copos. Em menos de dez minutos o garçom trouxe tudo.

O presidente de criação tirou o lacre do uísque 12 anos, pôs gelo nos copos e começou a servir a bebida. Entretanto, como a garrafa fosse conta-gotas, ele se viu obrigado a sacudi-la, para que o precioso malte caísse mais rapidamente. A sede era grande.

Estava nessa função quando a porta se abriu e o dono da agência entrou na sala. Ao ver o capitão do Dream Team, de garrafa na mão, no meio do expediente, ele fez uma cara de quem não estava entendendo. Mas não chegou a dizer nada. Otacílio não deixou. Rápido no gatilho, antes mesmo que o patrão esboçasse uma frase, lascou, inapelável:

"É isso aí, Alex: você não chamou a gente pra darmos uma virada??? Pois é, estamos “virando”..."

Que maravilha!


A FÁBULA


Outra do Otacílio. Essa pérola aconteceu no Clube de Criação. Trata-se de uma fábula. Ou melhor, de uma fabulosa adaptação de Esopo para os tempos modernos.

O Clube estava no auge. E, de sua sede na Rua 13 de maio, agitava não só a propaganda brasileira, com seus anuários de criação, mas até a MPB e as artes. Dando provas irrefutáveis de que propaganda também é cultura.

No térreo, havia uma galeria, onde diversos artistas plásticos puderam mostrar seus trabalhos, alguns pela primeira vez. Um deles foi o compositor (da Mangueira) e pintor primitivista Nélson Sargento. Sua exposição fez tanto sucesso quanto o disco com seus sambas, lançado pelo selo musical do Clube. Obras primas em cores e versos.

No primeiro andar do Clube, ficava o bar, coração e alma do lugar, graças ao espírito dos puros maltes de Escócia de que dispunha em seu estoque.

Naquele boteco, o consumo era quase industrial. O clima de festa favorecia. Os amigos idem. E algumas moças, ainda mais.

Mas por incrível que pareça o álcool, não era o principal combustível do pedaço. Nem qualquer outro aditivo. Todos perdiam longe para uma droga muito mais eficaz: a inteligência. Servida, em doses generosas, em qualquer mesa onde Otacílio estivesse.

Provocador, polêmico, engraçado e, acima de tudo, um sarrista, ele sozinho poderia abastecer o repertório mensal de grandes sacadas do pedaço. E daria conta do recado. Com folga.

Certa noite, junto com os amigos na chamada mesa da diretoria, ele parecia entediado. É que todos ali já haviam passado, há muito, do terceiro uísque. E estavam naquele momento nevrálgico da noite em que, ou a gente é salvo por alguma coisa boa, ou a vaca vai para o brejo.

De repente, uma linda garota se aproximou e sentou ao lado de Otacílio. Era uma jovem diretora de arte. Charmosa, começou a conversar com o diretor de criação, passando a mãozinha delicada no braço dele.

A corriola ficou à espera. Não deu outra. Num timing perfeito, Otacílio começou:

"Tá chato o Clube, né?"

Ela concordou. Mas esperou o inevitável complemento:

"O que você acha da gente sair e ir por aí prum lugarzinho gostoso? É viável???"

Disse e encarou a jovem. A mesa se agitou com a frase, no melhor estilo pizza: meio brincando, meio falando sério. Carinhosamente, ela refugou:

"Ah, Otacílio, eu fico encantada, mas não é o caso..."

O veterano das madrugadas, então, virou-se para os amigos e decretou:

"É...as vulvas estão verdes..."

Foi ovacionado.


CARLÃO BITTENCOURT 24.08.2016


Carlão Bittencourt
é redator publicitário
e cronista.
É autor de
"Pela Sete - Breves Histórias do Pano Verde"
(2003, Editora Codex),
um mergulho no universo
dos salões de bilhar de São Paulo
e escreve todas as quartas
em LEVA UM CASAQUINHO.


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