Thursday, June 22, 2017

CAFÉ & BOM DIA #64 (por Carlos Eduardo Brizolinha)



Antes era habitual. neste ano é vez que outra que atravesso a rua para um café. Escolho uma mesa e folheio um livro. O bairro que moro. Olho a rua e as pessoas, algumas param para socializar e é então que me transformo em Ivan Lessa. Me sinto embromando alguém ou sendo embromado, pois na verdade não queria encontrar ninguém ou ser encontrado. Não quero ser incomodado pelo sofrimento de ninguém ou a ladainha de um Brasil melhor. Tenho identificação com o texto de Ivan Lessa e me vejo diante de pretensos Ruy Barbosas quando danço bem com mistura simples de Moreira da Silva. Um dos pontos de identificação com Ivan Lessa é o fato pitoresco que mentirinhas vão tomando formas de tragédia enfeitadas com verdades e transformadas em diversão. Resmungo como resmungava Ivan Lessa que o mundo parece ter sido engolido em gotas com versão pobre e sem legenda, dublado em javanês. Tomo meu café, me levando e volto para casa com a sensação de ter encontrado ventríloquos ou personagens mal dublados. Domingos não quero saber como foi. tampouco o que vai ser. Não dá para aguentar tantos Severinos.



Não fiz mais nada do que assistir duas temporadas do seriado Billions. Não sou de seriados, achava uma aporrinhola, cheguei a me sentir excluído num fim de semana sentado na mesa de um restaurante pela simples razão de que falavam só de seriados. Minha querida Lucy nunca me convenceu, nem meus amigos paulistanos. Eis que porém um amigo me pôs nas mãos o seriado do Sherlock Holmes, American Gods e Jesse Stone e entrei para o clube da inserção. Vieram o Jovem Papa, Billions e agora o House of Cards. O ruim é que o que começo, termino, daí estou ficando paranoico por ter que esperar mais uma gotinha.



O frescor da liberdade nasceu no trópico para Morineau. O primeiro sopro veio da viagem a América do sul. Retornou para a França, mas voltou para contribuir para a formação de vários artistas e para gritar independência da influência européia. Desembarcou no Rio de Janeiro em 1931 e cinco dias depois do desembarque conquista importante espaço no teatro brasileiro. Mal casada e proibida pelo marido de praticar a profissão, ainda assim mantinha vinculo com o teatro através de conferências. Em 1944 se agrega a companhia de Bibi Ferreira e faz sua primeira representação em português. Esteve na estréia do TBC fazendo o monologo " A Voz Humana " de Jean Cocteau, peça que é um marco do teatro brasileiro. Mulher coragem, sangrou por perder sua filha. O marido lhe impôs escolher entre o teatro ou a filha. A guarda foi conferida judicialmente a ele fazendo Morineau viver um turbilhão de emoções descontroladas e um intenso sentimento de perda. Sentiu na alma o nascer de novos ventos nos anos 40 com Décio de Almeida Prado estreando como crítico e no mesmo ano Cacilda Becker como atris, não podemos esquecer do magistral Nelson Rodrigues como dramaturco, sendo sua primeira peça " A Mulher Sem Pecados ". Louvor a companhia de Jouvet que estimulou a procura de autores brasileiros, além é claro de mostrar o trópico da liberdade para Henriette Morineau, Madame Morineau como ficou conhecida por ser chamada assim por Fernanda Montenegro.



Sou entusiasta do livro biográfico de Victor Hugo escrito por Max Gallo em dois tomos. Victor desde cedo mostrou sua combatividade contra miséria do povo, pena de morte, trabalho infantil e tantas outras questões. É uma biografia das melhores de Victor Hugo e uma personalidade fascinante. Essa obra me motivou ler outros trabalhos de Max Gallo. Muito embora tenha restrições por não gostar de historiadores que romanceiem e que usem fatos documentados como base mesclando na narrativa diálogos imaginados. Para dar um parâmetro dos meus limites vide os sérios Carlo Ginzburg, Le Goff, Françoise Giraud. Max Gallo está no time de Maurice Druon, Mary Renaut, Jean Plaidy e Alexandre Dumas, Que aliás foi considerado o Dumas dos tempos atuais, digo que estes últimos autores são mais flexíveis. A trilogia " Os Cristãos " em três tomos não há como negar os cuidados com cronologia, personagens chaves, porém muito arrastado e distante de outras obras. A produção de Max Gallo é enorme, romances, ensaios, ficção política, biografias, conto, auto biografia e muitas colaborações. Duas obras pesam na balança, " Os Patriotas " sobre a resistência francesa e " Napoleão ".



A admiração fundada na verdade contradita Apuleio, autor de Asno de Ouro. Gera prazeres pouco experimentados pelos seres humanos. O que injeta a verdade numa relação? A dialética da razão? Coragem que não se intimida? Quem dispõe dessa coragem não encontra par? A dor frustrante nos leva a jogos de Chordelos de Laclos na narrativa de " Relações Perigosas "? Recebia desafios de uma fonte de verdades para ficar narcotizado com mentiras. É admirável encontrar um ser com essa coragem. É maravilhoso compartilhar anseios que tomam verdades como diretriz

Estradas diferentes em busca do mesmo sol.
Embora vitimas de dias perversos
Em dias perversos, embora vitimas,
e línguas perversas
Na escuridão e envoltos em perigos
E solidão
(John Milton, Paraíso Perdido)

Estamos fartos desse inferno. Palmilhamos encontrar um campo de honestidade. Você estendeu sua mão e entrelaçou os dedos, então siga sem pensar nas lágrimas. Podem não verter de seus olhos vivos e verdadeiros. Estendi minhas mãos e ainda não senti. Me compraz saber que alguém ao menos saber o sabor da mesma água que nos motiva buscar.

 BOM DIA, NUNCA SEM CAFÉ.


Carlos Eduardo "Brizolinha" Motta
é poeta e proprietário
da banca de livros usados
mais charmosa da cidade de Santos,
situada à Rua Bahia sem número,
quase esquina com Mal. Deodoro,
ao lado do EMPÓRIO SAÚDE HOMEOFÓRMULA,
onde bebe vários cafés orgânicos por dia,
e da loja de equipamentos de áudio ORLANDO,
do amigo Orlando Valência.



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