Tuesday, June 20, 2017

O OUTDOOR (uma crônica publicitária de Carlão Bittencourt)


“Você já foi selvagem.
Não deixe que te domem”
(Isadora Duncan)


Foi numa agência onde trabalhei na década de 70. A Criação ficou sabendo que uma diretora de arte norte-americana viria passar seis meses no Brasil. Coisas de multinacional.

Alguém disse que ela era uma gracinha. Foi o que bastou. Antes mesmo de pisar em terras brasileiras, a gringa já estava sendo rifada pela rapaziada.


Só faltou uma bolsa de apostas. A turma dava como certa a conquista da moça por esse ou por aquele varão. Os homens estavam animados.


Um belo dia, ela desembarcou em São Paulo. E, como todos puderam atestar, ela mereceu a campanha teaser. Era uma gata.


Loira, olhos azuis, tamanho e peso ideais, dentes perfeitos, seios de capa de Playboy e com uma pele alva, repleta de sardas. Abafou.


As apostas cresceram. A galera roncava. Quem seria o felizardo?


O engraçado é que a garota não estava nem aí para os roncos da rapaziada. Profissional, tratou logo de se instalar em sua nova sala, de onde supervisionaria um dos grupos de criação.


Algo, porém, intrigou a todos. Ela mandou reformar e decorar o ambiente, mas deixou ordens expressas para que o pintor trabalhasse de portas trancadas. Sempre. Aquilo atiçou a imaginação da agência. O que ela estaria escondendo?


Uma semana depois, a secretária dela começou a distribuir os convites para a inauguração oficial do espaço. O título dizia apenas: BAR OPEN - 6 O’CLOCK. Todo mundo se ouriçou.


Às 5 e meia da tarde já havia gente nos corredores. Finalmente, às 6 em ponto, as portas se abriram e ela surgiu, lindíssima.


O povo foi entrando. Como fui um dos últimos a chegar, notei uma coisa curiosa. Apesar da sala lotada, quase só se ouvia as vozes e os risinhos das mulheres. Os homens estavam praticamente mudos.


Mal pisei no ambiente, entendi a razão do silêncio masculino. Era humilhação. Pura. Ao fundo na sala, na parede mais larga, a gringa havia colado um outdoor de 16 folhas, iluminado por spots.


Na foto, um negro, inteiramente nu, deitado de lado, ocupava o imenso cartaz. Detalhe: o homem estava, por assim dizer, de arma em riste. E o que ele exibia sorrindo era uma legítima perna de mesa. Coisa de encabular barbeiro de periferia.


Circulando a vontade entre os convidados, a anfitriã explicava a todos que o modelo da foto era Rufus, o namoradinho dela em Nova Iorque. O namoradinho, veja você!


Não preciso dizer que o ânimo da rapaziada foi literalmente abatido por aquela impressionante peça de artilharia. Um canhão de Navarone que pôs o libido dos caras no freezer.







Carlão Bittencourt
é redator publicitário
e cronista.
É autor de
"Pela Sete - Breves Histórias do Pano Verde"
(2003, Editora Codex),
um mergulho no universo
dos salões de bilhar de São Paulo
e escreve todas as quintas
em LEVA UM CASAQUINHO.



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