Thursday, June 1, 2017

O BILUCA (uma crônica publicitária de Carlão Bittencourt)


“Nunca jogue limpo com um otário”
(P.T. Barnum)


O fato não é recente, mas o perfil do personagem principal é o que mais se vê no atual cenário da propaganda brasileira. Vamos em frente.

Sabe aquele tipo de contato que praticamente tomou conta das agências? Aquele que faz a linha “veja como eu sou jovem, esperto, moderno, pró-ativo e de bem com a vida?” Esse mesmo. Você conhece.

Está sempre arrumadinho (só usa grifes) e com jeito de quem acabou de sair do banho. Jacta-se de ter um inglês perfeito e de saber mais de informática do que o próprio Bill Gates. Surge sempre na agência com o carro do ano. E, ainda pior, tem todas as certezas e nenhuma das dúvidas tão comuns a nós, simples mortais. É ele mesmo. O chato.

Um legítimo exemplar da espécie que hoje pulula no meio publicitário. O típico cidadão que, mais do que saber, acredita que o mundo se divide entre vencedores e perdedores. E que faz desse maniqueísmo idiota a sua filosofia de vida.

Pois ele foi trabalhar no atendimento de uma antiga agência paulista, quando ela era a primeira em faturamento no ranking e possuía a melhor equipe de criação do país. Só tinha cobra criada.

Apareceu e, logo, foi arrumando uma arenga com uma das duplas mais talentosas do pedaço. Disse que não tinha gostado das idéias, que elas não eram fresh, etc e tal. O clima esquentou.

Lívio Lima, um dos melhores redatores da agência, estava presente na hora bronca. Tremendo gozador, assim que o pentelho saiu da sala, foi logo dizendo:

"Esse contato tem cara de Biluca..."

Todo mundo riu da sacada. E já ficaram de olho no velho redator, famoso por botar apelidos nos colegas. Um mestre na arte da ironia. Fina ou grossa. Não deu outra: menos de cinco minutos depois, o telefone tocou na sala do contatinho metido a besta. Ele atendeu:

"Alô?"

Do outro lado da linha, uma voz grave, de homem, vaticinava:

"Biluca, Biluca, Biluca!!!"

Pegou. E, para azar do coitado, virou campanha. Do ascensorista à mulher do café, passando pela criação e demais departamentos, todo mundo aderiu à moda de ligar para o coitado e lascar:

"Fala, Biluca!!!"

Alguns até variavam, inventando maneiras diferentes de encher o saco dele logo pela manhã. Mas sempre caprichando na maldade.

Tinha quem usasse a forma clássica de abordagem:

"Por favor, o Biluca?"

Ou quem fosse direto ao assunto:

"E aí, Biluca?!

 Outros eram íntimos:

"Biluca, meu chapa!"

E alguns mal educados:

"Biluca, seu filho da puta!"

O fato é todo mundo se serviu. Para infortúnio do rapaz. E, justo quando a turba estava pegando gosto pela brincadeira, um dia o já consagrado Biluca não apareceu para trabalhar. Faltou.

Pergunta daqui, fuça dali, alguém descobriu a razão: o Biluca havia pedido as contas. Assinou a carta de demissão, em caráter irrevogável.

Alguém foi contar a novidade ao Lívio Lima, “pai” do apelido. Cofiando a barba branca e rala, o velho sacana lascou:

"É, quem nasceu pra Biluca, nunca chega a Mário..."

A frase, dita com ar pensativo, pegou um produtor gráfico de surpresa. Curioso, o desligado não agüentou a curiosidade, e perguntou:

"Mário? Que Mário??"

E Lívio, sem perdão:

"Aquele que te comeu atrás do armário!!!"


Carlão Bittencourt – 05.08.2016






Carlão Bittencourt
é redator publicitário
e cronista.
É autor de
"Pela Sete - Breves Histórias do Pano Verde"
(2003, Editora Codex),
um mergulho no universo
dos salões de bilhar de São Paulo
e escreve todas as quintas
em LEVA UM CASAQUINHO.



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