Thursday, March 3, 2016

MEDA!

por Marcelo Rayel Correggiari


O mais interessante de se iniciar um texto para uma coluna é uma espécie de ‘queda-livre’ que se experimenta no que tange a “... como é que eu começo esse texto?”.

Poderia inciar a conversa de hoje com o açodamento desses tempinhos contemporâneos. Como por exemplo falar de um disco lançado em 2014. Logo, principalmente para os mais adolescentes, um ‘flash-back’. O tempo passa tão rápido que 2014 nos parece ‘logo ali’, mas para uma parcela mais jovem de leitores(as) é ficar falando de ‘velharia’.

Aquele papinho de: “ah... nenem! Chegou atrasado, hein?!”.

Poderia iniciar a conversa de hoje com uma espécie de cagaço que dá quando o papel não é mais o de ‘vidraça’, mas o de ‘pedra’. Fazer algum comentário sobre o trabalho de alguém seria mais ou menos como ser um grande cirurgião e na mesa de cirurgia... estar... a própria mãe!

Há também os críticos dos críticos (essa briga é boa!). Alguém faz um comentário, uma crítica, vem uma galera ‘da força’ e completa a bagaceira transgênica sentando a bolachada em quem se arriscou a dar o primeiro tiro. É cada ‘cola-brinco’ da bússola voar longe...

Entre um sopapo e outro, no melhor estilo ‘bar-fighting’, aquelas desinteligências onde os brigantes já estão num ‘melo’ daqueles e o tapa é de mão aberta (acabou a classe!), apresento aos(às) queridos(as) fregueses(as) dessa modesta Mercearia uma espécie de ‘mea-culpa’ em relação à cultura estadunidense (América do Norte, incluindo Canadá, é muita gente!).

A minha formação estrangeira foi muito mais britânica do que a dos demais países do Commonwealth (em geral países que possuem a língua inglesa como nativa ou uma das oficiais). Um certo ‘pé atrás’ em relação às coisas dos Estados Unidos. Pura injustiça minha: quem já nos deu Edgar Allan Poe, Walt Whitman, The Doors, Beach Boys, Woody Allen, Howard Fast, Company of Thieves, Tennessee Williams, entre tantos, mereceria uma atenção melhor (ou mais generosa) da minha parte.

Talvez seja pela obviedade do meu espanto diante do oferecido pela natureza quando me deparo com Nicki Minaj (de recordar a lapidar frase: “Sabe de nada, inocente!” [Cumpadre Washington]). Enfim...

E a encheção de linguiça continua por estar apresentando, talvez, nessa Mercearia um trabalho de uma seara que curto muito, mas entendo muito pouco. Diante do vasto conhecimento do editor desse renomado blog, é muita audácia, a minha.


“Voices” é o mais recente trabalho do duo composto pelo programador/guitarrista Josh Carter e sua colega de ensino médio Sarah Barthel, ambos sob o curioso nome ‘Phantogram’ (Fantograma é uma ilusão de ótica onde uma imagem bi-dimensional parece tri-dimensional). De 2014 (o mais recente deles é um EP, e não um LP (álbum), chamado ‘Big Grams’, ano passado), “Voices” soa como um desafio diante da real necessidade de travarmos conhecimento com o que, eventualmente, chamaríamos de supérfulo.

Só o tempo dirá, quem sabe mais adiante, se conhecemos em vida o que se chamará de ‘clássico’ quando não mais estivermos aqui.

Vale o risco? Se o David Bowie pôde, seria muita ‘brincanagem’ não permitir isso aos mais novos. Vai que...

Seria bom avisar, já de partida, que a linha de trabalho do Phantogram é bem pouco popular em terras tupiniquins, onde a palavra ‘eletrônico’ raramente nos remeteria a Kraftwerk, mas a iPhone, house music, ‘putz-putz’, ‘tequinêra’, Playstation IV, baladinhas fashion no Sirena ou qualquer desavença nesse sentido. O brasileiro, na média, é tecnofóbico, e tal descrição não é minha, mas de um outro ‘xará’, o Marcelo Knörich Zuffo, diretor da Politécnica da USP.

Somado a tal entendimento, e no que tange a uma música mais eletrônica, retumbante contribuição de um dos nossos maiores nomes, o saudoso Tom Jobim, que chamava aqueles teclados com programação fechada da Casio (tem também os da Yamaha), fartamente adquiridos na Bahia’s House em 3.719 prestações de ‘aporrinhola’.

E imaginar que um inofensivo Bargrooves pode causar urticárias num compatriota...


O Phantogram trabalha com uma linha mais pop de um ramo da música eletrônica que possui certo flerte com ares semelhantes aos que envolvem o Portishead. Isso, por si só, pode afugentar muita gente. Contudo, há certo lirismo, ou letras falando desse malfadado ente chamado amor (ou os perigos de se apaixonar por alguém).

A questão é que, em certos momentos, o ponto de vista novaiorquino de como lidar com os cadafalsos que a música eletrônica apresenta pode ser perigoso em países como o Brasil, onde a riqueza e a criatividade harmônicas são muito fortes. Um dos pressupostos da boa música eletrônica é não achar que, por ser eletrônica, justifica a eliminação de boas frases musicais, linhas melódicas confortáveis e um campo harmônico muito diferente se a mesma canção não tivesse bases, assim, tão eletrônicas.

Nesse aspecto, vale conferir a faixa 3 do CD, “Fall in Love”. Programação eletrônica na medida, bateria no ponto, frases musicais que elevam o coração, tendo como a ‘cereja do bolo’ a voz leve de Sarah Barthel para agregar harmonia dentro de tassituras que somente uma malha eletrônica é capaz de proporcionar.

E sem correr riscos: a base de programação inclui uma bela parelha de cordas, longe de atropelar a harmonia simples, mas tremendamente funcional em termos de ornar bem o conjunto da canção.

Numa tentativa de ‘faixa-a-faixa’ do LP (CD, download, os escambau, o(a) leitor(a) escolhe...), a abertura do trabalho (faixa 1) vem com uma impressão meio negativa de que o ‘pavão abriu as asas’ (deve ser coisa de produtor). “Nothing But Trouble” já de cara avisa que a linha de baixo será no sintetizador. ‘Meeeeda!’. Linhas de baixo em sintetizadores ficam fofinhos e bem bonitinhos nas mãos de uma molecada porreta, como na faixa “Sleep Alone”, canção de trabalho do álbum “Beacon” (2012), do Two Door Cinema Club. Funcionou na oportunidade? Sim, mas talvez seja por causa do clima de Belfast, Irlanda do Norte, lugar de gente endemoniada como Snow Patrol, U2 e Van Morrisson.

Essa faixa de abertura possui bons riffs de guitarra de ‘Monsieur’ Carter e uma base de programação que dá o tom da já citada malha eletrônica no arranjo das canções. E dão o aviso: “Aqui é trabalho, meu! [Muricy Ramalho] Aqui é pop-eletrônico, camará!”. Ficou tudo na medida, mas uma impressão razoavelmente negativa ao final da execução: “OK, meninos! Já sabemos que vocês sabem mexer direitinho na ‘aporrinolha’!”.

Nos pontos altos do disco, a faixa 4 , “Never Going Home”, bom até dizer “chega!”. Canção perfeita para trilha sonora de filmes do Tarantino, ou do Robert Rodriguez. E participação (nessa faixa) magnânima de Steven Drodz, do não menos desafiador Flaming Lips. A música traz boas referências do que hoje a meninada chama de ‘psicodelia’, ou o que eu chamaria de uma ‘retaguarda festiva mais lisérgica’, que tem como exemplo, nos dias de hoje, os criativos elementos do grupo goiano Boogarins (te cuida, Rio Grande do Sul!).

A diferença, no caso, é que os Boogarins são acústicos, a tradição brasileira do tambor, do ‘bate-bumbo’, carnaval, axé, essas bossas. A entrada do eletrônico no grupo goiano fica mais nas mudanças de ‘pegada’ dentro da faixa, uma forma de construir certo clima de uma trilha incidental dentro do próprio arranjo.


Phantogram acerta mais em “Voices” quando parte para baladas e ritmos mais lentos como é o caso da faixa 8, “Bill Murray”. Finalmente, depois de 7 canções desse mais recente álbum é que se pode ter uma ideia melhor, instrumento a instrumento, a que veio o grupo novaiorquino: um compartilhamento entre os riffs eletrônicos e de guitarra, mas de uma forma clara, na ‘corte’ da voz leve de Sarah.

O que talvez afugenta parte de uma platéia brasileira desacostumada com esse estilo musical seria a escolha do arranjo na base eletrônica. Se bateria, voz e guitarra possuem naturalmente um previsto (ou ouvido antes) casamento de considerável sucesso, a entrada das trilhas do sintetizador acabam causando a tal estranheza aqui comentada.

Principalmente porque a escolha dos timbres, como acontece de certa maneira na faixa final do disco, “My Only Friend”, dá preferência a tons mais carregados: o(a) ouvinte facilmente agregará a palavra ‘zumbido’ a qualquer comentário feito. O que eventualmente pode desviar a atenção para referências bastante claras do grupo, como nessa faixa final do “Voices”, flagrante endereçamento à musicalidade e linhas melódicas semelhantes aos encontrados em vários trabalhos do escocês Cocteau Twins.

Vale novamente lembrar que “Voices” é um trabalho de um grupo cujas as referências não são das mais populares (indigestas em alguns momentos, como é o caso do Portishead, menos em situações similares a Cocteau Twins). O Phantogram demanda leituras prévias de outras sonoridades bem pouco apreciadas pelo grande público nacional.

Ouso dizer que o Brasil, às vezes, se mostra um país bem fechado, em torno de um determinado paladar e nada de experimentar algo que seja diferente, ou muito diferente. Costumo dizer que o Brasil é um país de costas até mesmo para o seu próprio idioma, ou o que ele pode fazer ao redor do globo (nomes como o de José Eduardo Agualusa, ou de Rui Veloso, ainda podem causar grande espanto à massa populacional brasileira).

Por conta de uma certa ‘segurança’, o Brasil está caminhando a passos largos para ficar cada vez mais, e de forma definitiva, fora do mundo (e não haverá Jogos Olímpicos que dêem jeito!): fora do mundo tecnológico, fora do mundo industrial, fora do mundo bancário, fora do mundo cultural (inclusive o produzido em Língua Portuguesa!). Há certo perigo nisso...

Como consolo, uma juventude brasileira que não reverencia o “establishment” de forma servil (“Vamos beijar o anel do Senhor Contratador!”). Neles o depósito de minha vã esperança. E um “Voices” para eles curtirem, porque ninguém é de ferro.







Marcelo Rayel Correggiari
nasceu em Santos há 47 anos
e vive na mítica Vila Belmiro.
Formado em Letras,
leciona Inglês para sobreviver,
mas vive mesmo é de escrever e traduzir.
É avesso a hermetismos
e herméticos em geral,
e escreve semanalmente em
LEVA UM CASAQUINHO

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