Wednesday, August 30, 2017

MEU FADO É UM BACALHAU (uma crônica de Ademir Demarchi)



O fado é hoje tido como um típico gênero musical português que se estabeleceu ao longo dos últimos cem anos, tematizando crises amorosas, dolorosos sentimentos de partida e separação dos portugueses em busca de riqueza nas colônias, evocando despedidas, infortúnio e saudade. Por isso, esteve muito ligado à vida marítima e à atividade portuária, tendo estabelecido fortes raízes no Brasil e especialmente em Santos, local de passagem e de moradia de inúmeros portugueses imigrados. O fato mais notável disso é a existência de um programa de rádio que já tem mais de 60 anos, veiculado semanalmente pelo casal Manoel Joaquim Ramos e Lídia Miguez.

Mas a presença portuguesa e o sentimento fadístico estão em todo lugar neste país, nos Centros Portugueses, como o de Maringá, ou no sabor de restaurantes como o Casa Portuguesa Com Certeza, que, por sua excelência, é o único do interior do Paraná a ter uma estrela no Guia 4 Rodas – nem Londrina tem um pontuado assim.

A origem mais aceita do fado situa-se no século XIX, época em que se criou no Brasil um convívio de culturas de três continentes resultando em mesclas culturais da Europa, da África e da América. Assim, a cultura do colonizador europeu se misturou às culturas ameríndias e dos negros africanos, potencializadas pelo intercâmbio intenso de viagens entre Índia, Ásia e África, possibilitando expressões musicais como as modinhas e o lundum, dos quais se crê originaram o fado.

O fado mais tradicional, tal como se conhece, é sempre acompanhado por uma guitarra portuguesa que ressoa o destino com sua fatalidade incontornável, a sorte, em geral má, expressos através de sentimentos lamentosos e algo teatrais por parte de quem o canta, daí a preferência por ambientes populares e informais como bares, padarias e boates, onde se dá sua mais perfeita manifestação. Apesar disso, ele foi incorporado por cantores profissionais que o inseriram num circuito artístico, fizeram gravações e escolhas de letras de grandes poetas, associando a ele o pathos das tragédias da Grécia clássica e dando-lhe um estatuto de arte.

É notável também o caso da cantora Amália Rodrigues, cuja vinda ao Brasil mudou sua vida e, de novo, a história do fado, pois aqui ela gravou um disco de 78 rotações, com duas músicas, que se tornou um sucesso e levou à gravação de mais quatro discos, valorizando imensamente o fado e sua própria história de cantora em Portugal.

Transformado em gênero típico, o fado é cantado principalmente para turistas, nas “casas de fado” de Portugal, onde eles confundem a alegria de viajar com a tristeza e o sentimento de mágoas passadas e presentes.

[publicado originalmente em 05/06/2008]


Ademir Demarchi é santista de Maringá, no Paraná,
onde nasceu em 7 de Abril de 1960.
Além de poeta, cronista e tradutor,
é editor da prestigiada revista BABEL.
Possui diversos livros publicados.
Seus poemas estão reunidos em "Pirão de Sereia"
e suas crônicas em "Siri Na Lata",
ambos publicados pela Realejo Livros e Edições.
(basta clicar nos nomes para ser enviado
ao website da editora)



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