Wednesday, May 24, 2017

CAETANO E AS NOVELAS (uma crônica de Eduardo Vieira)



Não sei se Caetano Veloso gosta de novelas, entretanto sei que “Caetanamente” falando, gosto que as músicas dele ou cantadas por ele estejam nas nossas obras. Contudo não me atrevo a tentar situar de modo cronológico a presença desse grande compositor e intérprete no vasto mundo noveleiro.

A primeira música que sempre me vem à cabeça é a que tocava na abertura de “O Homem Proibido” que estranhamente foi substituída por uma versão instrumental. A letra sobre a submissão e visões de um mesmo amor cabia perfeitamente ao triângulo de Nelson Rodrigues, as duas mulheres aos pés da virilidade do personagem de David Cardoso.

Um pouco antes recordo de uma canção que sabia toda, mesmo sem lê-la, que falava de uma mulher, de unhas negras e íris cor de mel, tema da desbocada e destemida Cintia Levy, personagem de Sônia Braga em Espelho Mágico, que galgava o seu estrelato de modo não muito ético, desta vez a música era cantada pela voz emprestada à persona de Sônia na época, Gal Costa. Mesmo sabendo que a composição fora feita para uma das frenéticas, a imagem de Sônia é a primeira de que me recordo quando ouço os primeiros acordes de guitarra.

Aconteceu algo parecido com a música que o compositor havia feito para sua irmã Irene cujo riso era bem característico e quando no exílio ele disparava de modo infantil que queria voltar para ouvir “Sua Risada”. Na época Betty Faria que fazia uma anti mocinha em Véu de Noiva, de Janete Clair, a outra, oposto da heroína certinha de Regina Duarte, ganhou esse nome na trama e a música-tema. Não vi a novela, mas tenho certeza de que personagem e tema devem ter casado muito bem, pois a risada de Betty não nos deixa indiferentes até hoje.

Por falar em Betty Faria, não há como não lembrar de Tieta e seu teaser com a música que literalmente levantava poeira em um arranjo pop no princípio da chamada axé music, a vibrante “Meia Lua Inteira”, que se não fosse falada que era da autoria de Carlinhos Brown, poderíamos piamente acreditar que Caetano teria feito tal canção, tamanha propriedade como canta a música, tema de locação de Santana do Agreste, cidade onde acontecia a ação da trama adaptada perfeitamente por Aguinaldo Silva da obra de Jorge Amado, cuja adaptação mais famosa, Gabriela, não tem uma canção sequer do artista baiano. Aliás, as ditas grandes trilhas não possuem uma só música de Caetano, a dizer, O Bem Amado, Gabriela, Roque Santeiro, o que Meia Lua Inteira veio cobrir, dando ao artista um sucesso, voltando às rádios na época.

Como sou apreciador de temas que se relacionem diretamente aos personagens, não posso deixar de citar em “Chega Mais” o tema de um artista musical feito otimamente por Osmar Prado, o igualmente baiano Amaro que recebe a linda “trilhos urbanos” que nos remete a uma mítica cidade da infância de Caetano, Santo Amaro da purificação, uma música-memória.

Também é difícil uma novela do grande Gilberto Braga, famoso pelas escolhas de repertório de suas histórias, não haver em suas trilhas algo de Caetano, seja na voz dele ou de outro. Foi assim que como Tom Jobim já o fizera em Brilhante, Caetano grava o tema da personagem Raquel Acciolly, tema este que transborda do personagem pra locação e vira hino nacional dentro do caminho de integridade que a personagem simboliza, no samba de Ary Barroso, “Isto Aqui o Que é?”, que nos lembra um tempo em que o país era mais puro e as pessoas mais crédulas. Dentro da mesma novela ele cria o tema de amor dos personagens Raquel e Ivan, o bolero urbano “Tá Combinado”, retratando um amor maduro e adulto, mas não menos mágico e frágil, como na letra da canção que fala do “Equilibrista em Cima do Muro”, que embalava as idas e vindas do casal por vezes tão diferente, mas que se amavam pela admiração que um nutria pelo outro.

O baiano também se aventurou em outras línguas como o italiano, e ilustrou o riquíssimo personagem de Raul Cortez, um banqueiro que redescobre o amor nos braços de uma moça linda e simples feita pela estreante na Globo, Maria Fernanda Cândido... A canção “Luna Rossa” acompanhava o casal em seus encontros na rua, nos banhos que ela preparava para o seu amado e marca muito o personagem do inocente sedutor Francesco.

Caetano Veloso vai completar 75 anos no próximo dia 7 de Agosto, e segue nos brindando com participações com suas composições ou apenas interpretações nas novelas, com perfumarias como a regravação de moça para “Três Irmãs”, canção de Wando, só vou gostar de quem gosta de mim, famosa versão de Rossini Pinto, para “A Lua Me Disse”.

Porém, nos últimos anos, acertaram em cheio por duas vezes: na abertura de “A Vida da Gente”, estréia da autora Lícia Manzo com Maria Gadu cantando a linda “Oração ao Tempo”, dando o tom do assunto da novela, os conflitos geracionais e o próprio tempo que tudo pode resolver no caso da não muito leve trama das seis e ainda em cordel encantado, outra trilha que já é um clássico com o poema de Haroldo de Campos, que se não fosse por esse trabalho tão esmerado nunca constaria numa trilha. Falo de “Circuladô De Fulô” que era tema de locação geral! mas que me lembra por vezes o beato feito pelo bissexto ator de televisão, Matheus Nachtergaele.

Esse post é uma homenagem ao artista que mesmo bastante combatido ainda exibe a coragem do ineditismo errando acertando e sobretudo experimentando com sua musicalidade e letras altamente sofisticadas que transitam do mais requintado ao mais popular.

Salve Caetano e que suas escolhas sejam sempre bem encaixadas nas nossas histórias.

Eduardo Vieira é um professor de Português,
mas é viciado em novelas e séries de TV
desde a mais tenra idade,
e acaba de unir forças
ao time de colaboradores
de LEVA UM CASAQUINHO
para escrever justamente
sobre esse assunto.

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