Thursday, May 18, 2017

NÃO ADIANTA CHORAR A GASOLINA DERRAMADA (uma crônica de Carlão Bittencourt)


Se fosse um pouquinho mais humilde,
eu seria perfeito. (Ted Turner)


Esta história rolou numa grande agência de São Paulo, no princípio dos anos 70. Os anos dourados da nossa propaganda.

Para aumentar o faturamento, a diretoria começou a planejar uma nova estratégia de prospecção. Analisando o porfólio de clientes, viram que não tinham nenhuma conta no segmento de petróleo e derivados.


Resolveram partir com tudo para cima deste perfil de anunciante. Desejo ambicioso. Afinal, este é o tipo de conta que, literalmente, todas as agências querem. Foram à luta.


Dois meses depois estava marcada a reunião de apresentação da campanha. Haja pompa e circunstância. Só faltou a agência chamar o Itamaraty para fazer o meio de campo. A explicação é simples.


Do lado do cliente, o staff começava com o próprio presidente da multinacional petrolífera, no Brasil. Um gringo sanguíneo e antipático de mais de dois metros de altura. Só para dar uma idéia das proporções do texano, mais do que superlativas, a fera calçava sapatos número 50. Bico largo. Ou seja, o cara literalmente pisava no couro de uma vaca longhorn, em cada pé.


Mas, continuando, além do manda-chuva gigante, viriam 3 vice-presidentes, toda a diretoria de marketing, gerentes de produto, assistentes e o escambau de Madureira. Ou do Texas. O time de Tio Sam estava completo.


Diante de tal comitiva, a agência não poderia deixar por menos. Era preciso equilibrar as forças. Mas há limites, mesmo na louca hierarquia da propaganda. Resultado: dá-lhe inventar cargos. Era vice-presidente disso, vice-presidente daquilo, diretores a dar com pau, até que a formação pareceu ideal ao egocêntrico dono do estabelecimento.


O passo seguinte foi definir a logística de apresentação da campanha. Ou melhor, das campanhas, pois o planejamento definia ações para os próximos 100 anos do cliente. No mínimo. Quanta criatividade. E vontade de faturar. Em dólar, naturalmente.


Chegou o Dia D.


Até um cego veria que a taxa de adrenalina estava alta naquela casa. Da recepcionista ao diretor de criação, o menos tenso suava. Em bicas. Alta Ansiedade, o filme de Mel Brooks seria considerado um exemplo de equilíbrio. Estava todo mundo tremendo dentro da roupa. Todos, menos o presidente. Claro.


Refestelado em sua poltrona, o sovina já fazia as contas. Com mais esse cliente, sua agência iria subir 5 pontos no ranking. Sambado na vida, o cara sabia que tinha duas das melhores campanhas jamais criadas para o segmento. Era apresentar e correr pro abraço. Favas contadas. Dinheiro em caixa. Aliás, música para os ouvidos dele, que era um avaro de dar inveja ao próprio Ebenezer Scrooge, o clássico personagem de Charles Dickens.


O telefone tocou. Era a secretária. Com a voz embargada daquela falsa emoção, que vem de gerações e gerações de subserviência, ela anunciou:


- O cliente chegou!


O homem vestiu a jaqueta de couro de antílope, ajeitou a gravata colorida e marchou em direção à sala de reuniões, como se fosse decidir o destino do mundo. Assim caminha a humanidade. Ou seja: quem puder mais, chora menos.


Eram mais de 40 pessoas na sala, ampla. Um evento na ONU perderia feio. O publicitário chegou à cabeceira da mesa, quase tão grande como seu ego, e apertou a mão do americano, uma pata que mais parecia uma chave torques.


Enquanto se aproximava da outra ponta da sala, onde o time da agência aguardava em puro êxtase, espiou as muitas pastas repletas de layouts. Virou-se e encarou a platéia com indisfarçável vaidade.


Confiante, refletiu: “É agora! Mando uma frase de efeito para quebrar o gelo e acabou a miséria!”.


Ele só não poderia dizer uma frase comum. Nada disso. Tinha que caprichar na originalidade, no impacto. Afinal, precisava alimentar a sua fama de bad-boy, de ex-enfant-terrible da propaganda brasileira.


Assim, diante de 80 pares de olhos atentos, lascou a soberba:


- Bem, gente, estamos aqui para ensinar vocês a vender gasolina...”


O silêncio gritou. E com força tamanha que ecoou nas paredes da sala. Rubro, o gringo foi se levantando lentamente da cadeira (e ele não parava mais de se levantar!). Com juros de americano, devolveu:


- Senhorrrr non ensinarrrr nada... Ainda maiiissss venderrrrr gasolina!!!!


E saiu bufando, qual um gigantesco Buick 49, seguido por toda sua equipe. Assim, a conta da galáctica empresa petrolífera, que ainda nem havia entrado na agência, evaporou-se.





Carlão Bittencourt
é redator publicitário
e cronista.
É autor de
"Pela Sete - Breves Histórias do Pano Verde"
(2003, Editora Codex),
um mergulho no universo
dos salões de bilhar de São Paulo
e escreve todas as quintas
em LEVA UM CASAQUINHO.


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