Thursday, May 18, 2017

CAFÉ & BOM DIA #60 (por Carlos Eduardo Brizolinha)



Estamos na metade do mês de Maio. Li poucos autores americanos. Projetava reler Katherine Mansfield (neozelandesa) ou buscar algo não lido de Steinbeck, mas por insistência da minha companheira mergulho nos contos de Raymond Carver. Carver nasceu em 1938 e morreu aos 50 anos. 1988. Na introdução da obra "68 Contos", um mapeamento da bibliografia. Mostra ser uma verdadeira bagunça a publicação de seus inumeráveis contos pelo fato de mesclar inéditos com antigos, com e sem alteração de seu editor. Sendo a minha primeira leitura de contos, já havia lido suas poesias, e me agrada o fato da edição que tenho em mãos obedecer ordem cronológica. Há uma síntese biográfica que conta as dificuldades, vida difícil e tumultuada, fracassos e falências que culminam na dissolução de seu casamento. O vazio é preenchido por uma afinada relação com a poetisa Tess Gallagher, relação que marcou positivamente seus últimos dez anos de vida. Amadureceu, ganhou asas, se libertou da influência de editores e chegou a questionar e não permitir cortes em sua obra. Repito o que li por ficar impressionado (...) Carver foi um contista que vendeu tanto quanto romancistas. (...) . "O Cabelo" do livro "Primeiros Contos" e "Vizinhos", "Eles não são seus Maridos", "Escola Noturna" do livro "Você poderia ficar quieta, por favor?" nos faz reconhecer que é de fato um grande contista.


Estou encantado com a literatura de Raymond Carver. "...Caso queira ter uma ideia comparativa, Raymond Carver se assemelha muito ao tipo de conto feito por Graciliano Ramos, principalmente em Infância: narrativas curtas, concisas, reveladoras. A cada texto lido é impossível não sentir que o autor americano tinha plena consciência de que não estava inventando a roda, bem como Graciliano também sabia. No entanto, ele consegue transferir uma formula empregada por Anton Tchekhov numa nova realidade, enxugá-la ao extremo e ainda sim oferecer uma obra de arte cativante e assustadora. Isso não é para qualquer um...." Não havia me ocorrido este comparativo que o Homo Literatus faz com Graciliano, que é para mim o texto literário da maior qualidade na literatura brasileira. Carver prefere que contemplemos a situação e cheguemos a nossas próprias conclusões e ai é a arte de fazer um texto enxuto, preciso e delicioso.


A Cantora Careca, aborda a história de duas famílias inglesas do pós-guerra, decadentes e pertencentes à burguesia: os Smith e os Martin. O tema principal centra-se na dificuldade de comunicação entre as pessoas. Não têm nada para dizer umas às outras, ficando completamente desconectadas. As frases feitas, os clichés, os lugares comuns, passam a dominar a comunicação diária, eliminando desta maneira a autenticidade do seio das relações humanas, gerando-se assim seres autômatos, desprovidos de emoções, de paixões, de utopias, perfeitamente substituíveis uns pelos outros, como se de verdadeiros clones se tratasse. Seres que deixaram de pensar, absorvidos pelo mundo da alienação, do autismo, da demência, da realidade virtual. A Cantora Careca um texto de enorme atualidade, criatividade e clarividência, antecipador de futuros problemas humanos, que nos faz ver e apreciar um Ionesco visionário. Bom acrescentar que Teatro do Absurdo é atribuída ao crítico norte-americano Martin Esslin. A contribuição de Ionesco para este gênero de teatro, diz respeito à popularização de uma grande variedade de técnicas surrealistas, tornando-as aceitáveis para uma audiência condicionada a um teatro que reproduzia o quotidiano da vida real. O feitiço do nonsense. Comum a todos os dramas de Ionesco é o caráter de marionete de seus personagens e os diálogos mecânicos e desprovidos de senso através dos quais os personagens não necessariamente se comunicam. Para ele, esta era uma imagem do mundo totalmente sem sentido e esperança.


Harold Pinter roteirizou o romance de John Fowley "A Mulher do Tenente Francês" tida como brilhante e posteriormente fez um roteiro para a obra de Proust partindo do último volume. Fowley partiu de uma série de flash back resgatando a memória e assim toda a história. O projeto faliu pelo alto custo. Fowley merecia o investimento pela sua sensíbilidade comprovada em outras delicadas adaptações. Vi muitas adaptações por alguns roteiristas bons, " O Tambor " do Grass, " Golpe de Misericórdia " da Marguerite Yourcenar e tantas outras, muitas muito boas adaptações e outras terríveis. No caso de Proust não tenho como saber se o Lauro Coelho ficou tão incomodado como fiquei com a supressão de vários personagens no roteiro de Schloendorf. Obviamente que todos nós sabemos quão difícil é passar obras literárias para a tela do cinema, havemos nós de considerar que Proust exige muito. Schloendorf filmou a cena em que Swann experimenta na casa dos Guermantes sensações ao ouvir pela primeira vez a melodia do andamento da sonata de Vinteuil que são descritas em páginas e páginas e estão comprimidas no filme. Há sim uma delicadeza nas fotografias de Sven Nykvist que trabalhou com Bergman. Toda a genialidade do fotógrafo não foi possível fazer dos olhos de Fanny Ardant (atriz do filme) azuis como Proust descreve, mas colher a essência de Proust é para poucos, Como já disse, imagino nas mãos de Visconti.


Atravessei o arco da noite para beijar os raios solares da manhã e quando tocaram minha carne se transformaram numa poesia de Walt Whitman.

Eu parto com o ar – sacudo minha neve branca ao sol que foge.
Desfaço minha carne em redemoinhos de espuma,
Entrego-me ao pó para crescer nas ervas que amo;
Se queres ver-me novamente, procura-me sob teus pés.
Dificilmente saberás quem sou ou o que significo;
Não obstante serei para ti boa saúde
E filtrarei e comporei teu sangue.
E se não conseguires encontrar-me, não desanimes;
O que não está numa parte está noutra
Em algum lugar estarei à tua espera.


CAFÉ QUE NÃO ESFRIA NA MANHÃ DE UM BELO DIA



Carlos Eduardo "Brizolinha" Motta
é poeta e proprietário
da banca de livros usados
mais charmosa da cidade de Santos,
situada à Rua Bahia sem número,
quase esquina com Mal. Deodoro,
ao lado do EMPÓRIO SAÚDE HOMEOFÓRMULA,
onde bebe vários cafés orgânicos por dia,
e da loja de equipamentos de áudio ORLANDO,
do amigo Orlando Valência.

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