Thursday, May 11, 2017

MEIA-ENTRADA (uma crônica de Marcelo Rayel Correggiari)



‘Meia-bomba’, ‘meia-folha’, o ‘trem’ responde por vários nomes, expressões. Um troço...!

Coisa que fica entre o ‘pé-na-cara’, “...sambando na cara da sociedade...”, e a mais perfeita, completa e profunda ausência.

Não está dentro, “full power up”, uma boca com todos os seus dentes, mas também não deu as caras, nem fez menção de entrar.

Convenhamos: está cheio desse tipo de procedimento por aí...

Há até algum tipo de análise, mas para certas abjeções que alimentam trocas, um bom encontro com as justificativas (inúmeras!) que forjam posturas um tanto ‘esquisitas’, estranhas, obtusas.

A cultura da ‘meia-entrada’... em termos nacionais, não há galera mais craque nisso do que nós, brasileiros. Adoramos uma meia-entrada!

Qualidade custa dinheiro. Um dia desses, trombei com uma fala do senador Cristovam Buarque que vaticinou o descompasso tupiniquim: ambições de consumo “a la Europa”, coisa de país rico, mas sem ‘um puto’ no bolso. ‘Id est’, na hora de pagar a conta dessa qualidade que tanto se deseja, ‘cadê’?!

Se isso ficasse somente na questão monetária da bagaceira transgênica, “... até ía!”. Só que isso já alcançou os espaços de interação social, dos relacionamentos, os últimos bastiões que deveria resistir a tudo isso.


Aquela ‘coisinha’ de estar em tudo nos “50%” (às vezes, até menos!) dos empenhos. Não há problema algum em declinar de quaisquer convites se a agenda, naquela instante, não colabora muito. Do jeito que a vida anda difícil, qualquer um entende.

Agora... se os interesses se erguerem em grande correspondência e os lados envolvidos se mostram suficientemente interessados na boa confecção do que for, é 120%! Pé no acelerador!

Já é difícil encontrar uma adesão harmônica para as empreitadas, pessoas genuinamente imbuídas de fazer o troço andar. Aí, quando tal cenário finalmente se descortina, entregamos nossas ‘migalhinhas’, solicitamos nossa ‘meia-entrada’ em paradas onde não se é possível imaginar qualquer coisa em torno de 30%.

Ou entra, ou sai, sujeito(a)! “Mais-ou-menos” é de lascar, ‘né’, não?!


A prova-de-honra da meia-entrada reúne em tal pugna a impaciência de um lado e o egocentrismo do outro. “Ah... não tenho mais saco ‘pra’ isso!”, frase conhecida para baixíssimas doses de eupatia diante de contratempos que não são de nossa lavra. O famoso “ê-ma, ê-ma, ê-ma, ...”.

É de popular conhecimento e sabedoria que sem essa paciência e bom diálogo nada progride. Mas por que cargas d’água esses dois últimos, que deveriam ocorrer a rodo e sem restrições, de fato, não ocorrem?! Porque aquilo que deveria desenvolver a tal harmonia e, consequentemente, o bom andamento das coisas torna-se o seu contrário da forma mais grotesca e destruidora que se possa imaginar.

Principalmente porque o chamado ‘diálogo’ pode se transformar em “comunicação de pauta”, manipulação, o que Olavo de Carvalho chama de “bela conversa”: uma forma sutil de manter alguém fazendo exatamente aquilo que foi desejado, permitindo que o(a) manipulador(a), sob qualquer justificativa ou pretexto, permaneça na ‘meia-folha’, nos 30%, numa ‘meia-entrada’ tão consistente quanto o éter.

Aí, é o que já se sabe: uma quantidade infindável de meios(as)-amigos(as), meio-emprego, meia-família, meio(a)-chefe(a), meio(a)-filho(a), meio-transporte, meia-generosidade, meio-beijo, meia-diversão, meio-texto, meio(a)-colega, meio-filme, meio(a)-namorado(a), meio-romance, meia-viagem, meio-salário, meia-peça, meio-acordo, meio-abraço, meia-atenção, meio-caso, meia-declaração, meio-compromisso... enfim, uma bosta!


Não tem quem aguente... um troço que já começa num rebaixamento inominável! Danos irreparáveis e holísticos. Não dá para sequer pensar em algum conserto.

Para meias-entradas, meia qualidade. Em tudo. Entendemos que moramos em país pobre, sem grana para muita coisa e com 14 milhões de desempregados. Mas ou o ‘trem’ é de graça ou entrada inteira. Contar as quirerinhas para ver se encaixam na meia-admissão é comprometer a qualidade de tudo a partir de algum ponto em diante.

Tanto no espetáculo de vossa preferência quanto na vida, meia-entrada é a desabação da alma.


Marcelo Rayel Correggiari
nasceu em Santos há 48 anos
e vive na mítica Vila Belmiro.
Formado em Letras,
leciona Inglês para sobreviver,
mas vive mesmo é de escrever e traduzir.
É avesso a hermetismos
e herméticos em geral,
e escreve semanalmente em
LEVA UM CASAQUINHO

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