Friday, March 9, 2018

ONDE SE GANHA O PÃO NAO SE COME A CARNE #1 (por Carlão Bittencourt)



“Antes à tarde do que nunca”
(Zózimo Barroso do Amaral)


A máxima é uma das maiores lições que um profissional, de qualquer ramo, pode aprender. Desde cedo. O curioso é que, na propaganda, o sábio conselho não pegou.

Aqui se ganha o pão e se come a carne. Sempre. As razões são muitas. Desde a pressão do trabalho (que mexe com a libido da moçada), até o clima de liberalidade que as agências cultivam. A verdade é que propaganda e sexo namoram desde o tempo do reclame.

Como é de se esperar, isso rendeu grandes histórias. Uma melhor do que a outra. Como as moças. Vamos a algumas das mais engraçadas, dando ênfase aos detalhes picantes e particularmente escabrosos. Mas sem declinar nomes. Óbvio.

AS GAROTAS DO RÁDIO

Num famoso estúdio de jingles, a turma sacou que uma dupla de secretárias costumava desaparecer na hora do almoço. Estavam sempre juntas, grudadas e, de uma hora para a outra, sumiam. No ar.

Apesar de serem praticamente meninas e do jeito ingênuo das duas, aquilo deixou a turma com a pulga atrás da orelha. Resultado: armaram uma verdadeira rede de espionagem. Rapidamente.

Fuça daqui, espia dali, bisbilhota de acolá e não deu outra. Um produtor, descobriu onde elas se escondiam. O cafôfo era no estúdio pequeno, usado só para locuções.

As duas ficavam lá dentro, entocadas, durante as horas de folga. A questão era: fazendo o que?

A imaginação já bastante fértil da moçada ficou atiçada. Afinal, só tinha malandro no pedaço. Um bando de tarados e pervertidos de respeito. Só cobra criada.

Como a toca das gatas era no próprio estúdio, um dos malvados de plantão sugeriu o óbvio: gravar o encontro. O que fizeram, dentro dos mais avançados padrões tecnológicos da época.

Estrategicamente, deixaram ligados três microfones e um gravador de rolo imenso, com capacidade para gravar o Cid Moreira narrando o Kama Sutra. Mas tudo camuflado, fora de vista, coisa de dar inveja aos arapongas do DOPS. Se um mosquito soltasse um peido naquele lugar, a flatulência do inseto ficaria registrada para a posteridade. Os bandidos armaram a arapuca e foram almoçar.

Na volta, encontraram as duas em suas respectivas mesas, trabalhando, como sempre. Quietinhas. Dois querubins.

Pronto. A horda de bárbaros foi para o estúdio, em desabalada carreira. Puseram a fita no começo e ligaram o som.

Primeiro, silêncio absoluto. Depois, barulho de porta, abrindo e fechando. De repente, vozes abafadas, murmúrios ininteligíveis.

Aí a coisa ferveu. E o que ouviram a seguir, foi uma transa de encabular estivador. Um pega-pega de fazer Carlos Zéfiro corar. Duas horas cravadas no relógio da mais grossa sacanagem. Despudorada. Deslavada. Franciscana.

A safadeza foi tanta e tão animada que, na opinião dos sacrílegos presentes, tinha grandes chances de ser a maior trepada da história da propaganda. Pelo menos, a maior gravada até então. Saíram do estúdio arfando.

Enquanto isso, na sala, as moças continuavam a trabalhar. Serenas. Dois anjos. Veja você.

O DIRETOR DE CRIAÇÃO E A CONTATO

Foi numa agência dos Jardins, nos anos 80.

Solteiro, charmoso, ganhando bem, o redator botou para quebrar. Com a calma dos sábios, sem fazer marola, pouco a pouco foi conquistando as moças do pedaço. Tudo correu bem até que ele se enroscou com uma contata. Linda, jovem e dona de um físico extraordinário, a garota só tinha um defeito: era casada. Fora esse detalhe, irrelevante, era perfeita.

O redator não quis nem saber. Chegou junto. Pau na máquina. Quando deu fé, estava vivendo com ela. O amor é lindo!

A relação tinha tudo para dar certo, não fossem ambos tão passionais. Perto deles, Pierrô e Colombina poderiam ser considerados modelos de equilíbrio. Dois seres de sangue frio. O cobra e a lagartixa.

O problema foi o sangue ibérico, que ferve rápido demais. Para o bem e para o mal. Acabaram se separando. Quase aos tapas.

Alguns anos depois, o redator foi convidado a assumir a Direção de Criação de outra agência. A proposta era irrecusável: montar a própria equipe, catorze salários por ano, viagem para Cannes, carro de luxo zero conversível, liberdade total para escolher fornecedores e outras mordomias e liberdades. Aceitou. Lógico.

No primeiro dia de trabalho foi levado pelo dono da agência para conhecer os colegas. Departamento por departamento, as coisas correram às mil maravilhas até entrar no Atendimento. Deu de cara com a falecida. Os pelos se eriçaram, de parte a parte.

Sambado na vida, o patrão sentiu cheiro de pólvora no ar. E antes que alguém dissesse alguma bobagem, chamou os dois a sua sala. Abriu o jogo. Disse que os dois eram adultos, vacinados e ótimos profissionais. E deixou claro que esperava que eles superassem o passado. Pelo bem de todos.

Para quem sabe ler, pingo é letra. O ex-casal sacou logo que o homem tinha mandado um recado, mas com jeito de intimação. Ou seja, que a boa convivência entre eles não era opcional, mas obrigatória. Prometeram se esmerar na civilidade.

Por três meses, conseguiram segurar a barra, trocando apenas farpas sutis. Mas, a temperatura foi subindo, subindo, até que o bolo desandou. E tudo acabou num dos diálogos mais imprevisíveis, desbocados e engraçados jamais ouvidos em uma agência de propaganda. No mundo.

A contata, com o ar mais espevitado do planeta, entrou na sala do Diretor de Criação se abanando com um layout nas mãos e, sem mais nem menos, mandou o desaforo:

"Benê, esse anúncio tá uma merda!"

Resposta dele:
"Pra quem é, está muito bom!"

Ela, irritada:
"Muito bom é o caralho!!"

Ele, seco:
"Caralho, pelo jeito, é o que anda te faltando!!"

Ela, roxa:
"Porco!!!"

Ele, bravo:
"Mal amada!!!"

Ela, gritando:
"Corno!!!!"

Ele, mais bravo:
"Vagabunda!!!!"

Ela, urrando:
"Cafajeste!!!!!"

Ele, bravíssimo:
"Filha da puta!!!!"

E teriam se matado, não fosse a providencial Intervenção dos colegas. Pode?





Carlão Bittencourt
é redator publicitário
e cronista.
É autor de
"Pela Sete - Breves Histórias do Pano Verde"
(2003, Editora Codex),
um mergulho no universo
dos salões de bilhar de São Paulo
e escreve todas as terças
em LEVA UM CASAQUINHO.

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