Thursday, October 13, 2016

CARLOS CIRNE RECOMENDA 2 FILMES MUITO INTERESSANTES EM CARTAZ EM SÃO PAULO


“NOSSO FIEL TRAIDOR": GRANDES DOSES DE TENSÃO E SUSPENSE
por Carlos Cirne
para Colunas & Notas


A vida do casal Perry (Ewan McGregor: quem não se lembra de Moulin Rouge?) e Gail (Naomie Harris, a “Moneypenny” do “Bond” de Daniel Craig) já viu dias melhores. Estão distantes um do outro, sem que sequer percebam muito isto. E as férias no Marrocos não parecem estar ajudando muito. Enquanto jantam em um sofisticado restaurante, Gail, uma bem sucedida advogada corporativa, recebe um telefonema de negócios e tem que se retirar para o hotel. Perry então é abordado por um tosco empresário russo, Dima (Stellan Skarsgård, excelente) que, de uma mesa próxima, observava o casal. O russo convida (quase intima) Perry à sua mesa e depois a uma festa, que promete ser memorável. Ele, sentindo-se só, aceita, e sua vida nunca mais será a mesma.

Este suspense de espionagem, com roteiro de Hossein Amini (do excelente “Drive”, 2011), baseado em romance de John le Carré (o mesmo de “O Espião Que Sabia Demais”, 2011), e dirigido de forma burocrática por Susanna White – que vem da televisão, tendo feito apenas “Nanny McPhee e as Lições Mágicas” (2010) no cinema -, traz todos os elementos que fizeram crescer durante os anos a legião de fiéis fãs de le Carré: intrincadas tramas de espionagem internacional, personagens inocentes enredados em planos criminosos, e resoluções com mensagens dúbias e agridoces. Se bem que, neste caso, a dose de otimismo vá além do normal para tramas semelhantes.

Primeiro, pela empatia dos protagonistas: tanto McGregor e Harris são a expressão do bom-mocismo, quanto o sedutor vilão de Skarsgård e sua persona “maior que a vida”, são envolventes e simpáticos ao público já na primeira cena. E há ainda o agente do MI6, Hector (o inglês Damian Lewis, da excelente série de TV “Homeland”, aqui beirando o caricato), que quase põe tudo a perder por sua ânsia em capturar criminosos. E segundo porque, apesar do tema do filme, a linha que separa mocinhos de bandidos é clara e límpida, não deixando dúvidas para quem assiste. Assim fica fácil.

O filme impressiona pelo crescente clima de tensão e claustrofobia que vai submetendo ao público, principalmente da segunda metade em diante, quando já se sabe por quem torcer, e o que cada um tem a perder. E a conclusão, que se quer cínica, não passa de um aperitivo para quem vive num estado de constante sobressalto político como nós, brasileiros. Podemos fornecer masterclasses de corrupção.

Enfim, o filme provê grandes doses de tensão e suspense, adequadas à temática – jovem casal repentinamente se vê envolvido em intrincada trama de espionagem, sem saber ao certo em quem confiar -, com um elenco eficiente, e belas locações, valorizadas pela caprichada fotografia de Anthony Dod Mantle (Oscar por “Quem Quer Ser um Milionário?”, 2009), e a eficiente trilha sonora do brasileiro Marcelo Zarvos. A direção de Susanna White, se não chega a ser criativa, também não decepciona. Confira.

NOSSO FIEL TRAIDOR
(Our Kind of Traitor, 2016, 108 minutos)

Direção
Susanna White

Elenco
Ewan McGregor
Naomie Harris
Stellan Skarsgård
Damian Lewis
Jeremy Northam
Grigoriy Dobrygin
Velibor Topic

em cartaz no Cinearte (Av. Paulista 2073), na Cinesala (R. Fradique Coutinho 361), no Caixa Belas Artes (R. da Consolação 2423) e no Reserva Cultural (Av. Paulista 900)



“STONEWALL": PELO DIREITO À EXISTÊNCIA
por Carlos Cirne
para Colunas & Notas


O bom de ser um produtor e/ou diretor de grandes blockbusters, de sucesso, é poder, sem interferência de ninguém, produzir pequenos experimentos que independem de tendências de mercado. E Roland Emmerich é uma destas pessoas.

Desde o inesperado sucesso de “Independence Day” (1996), passando por “Godzilla” (1998), “O Patriota” (2000), “O Dia Depois de Amanhã” (2004), “10.000 a.C.” (2008), até “2012” (2009), Emmerich, não dando a mínima para a crítica – mas sempre agradando em cheio seu público fiel -, vem angariando polpudas bilheterias, o que lhe permite, vez por outra, produzir e dirigir pequenas e - muito interessantes – histórias, como “Anônimo” (2011), uma pérola onde se discute a verdadeira autoria das obras de Shakespeare, ou este “Stonewall - Onde o Orgulho Começou” (2015), sobre o icônico marco zero do movimento LGBT mundial.

Em “Stonewall”, Danny (Jeremy Irvine), um típico garoto “all american”, tem sua vida completamente desgraçada ao ser pego com seu amigo Joe (Karl Glusman), em exercícios que não os do futebol americano. Como se não bastasse, seu pai é o treinador do time no colégio onde os dois estudam. Danny é humilhado e expulso de casa, em Indiana, e acaba indo parar em Nova York, mais especificamente em Greenwich Village, reduto de gays e lésbicas. O ano é 1969 e as leis são bastante restritivas no que se refere a “estilos alternativos de vida”: agências federais não podem contratar homossexuais; estes são considerados oficialmente “doentes mentais” sujeitos a tratamento (com terapia de choque); e sequer têm direito a se reunirem publicamente ou consumirem álcool.

Chegando ao Village, Danny literalmente não tem onde se instalar e acaba vivendo na rua, em companhia de outros garotos também sem teto, que sobrevivem de bicos e michês. E é neste ponto que a lei da rua começa a se apresentar, com direito a abusos policiais, prostituição, falta de dinheiro e abrigo, mas muita solidariedade, principalmente entre seus pares.

Personagens fictícios, como Ray (Jonny Beauchamp), Orphan Annie (Caleb Landry Jones), Cong (Vladimir Alexis), Quiet Paul (Ben Sullivan) e Lee (Alex C. Nachi), que compõem a família de escolha de Danny, misturam-se a personagens reais da cena gay de então, como Bob Kohler (Patrick Garrow), Marsha P. Johnson (Otoja Abit) e Ed Murphy (Ron Perlman). E, no meio desta efervescência toda, Danny encontra e se apaixona por Trevor (Jonathan Rhys Meyers), apenas para depois ver seu interesse romântico atraindo-se por outro jovem que se apresenta.

A ebulição no confronto entre policiais (corruptos em sua maioria) e o público gay da região atinge seu ponto máximo em 28 de junho de 1969 (curiosamente, dia do enterro de Judy Garland, uma das grandes divas gay), quando uma batida no bar Stonewall acaba se transformando num tumulto sem precedentes na história, com os frequentadores, cansados da eterna humilhação a que são submetidos pela polícia, revidando e acabando por expulsar os policiais da região. Este confronto se tornaria o grande marco na luta pelos direitos civis de gays, lésbicas e trans em toda a América e, subsequentemente, no mundo todo.

E o filme de Emmerich, apesar da ingenuidade de seu argumento, assim como do maniqueísmo de determinadas situações (todos os personagens com resultados positivos são brancos), presta excelente serviço à causa da diversidade. Liberdades temporais à parte – Disco Music e canções como “Venus”, do Shocking Blue, ainda não haviam sido lançadas naquela data -, é fundamental que se conheça, mesmo que de maneira romanceada e edulcorada, a origem da luta que diariamente é travada em todo o mundo pelo direito à existência, com respeito e dignidade.

Segundo os créditos finais do filme ressaltam, ainda hoje 40% da população sem teto jovem norte-americana é homossexual e, ainda em 77 países, é considerada crime a homossexualidade. E Stonewall aconteceu a 47 anos!

Como curiosidade, para os brasileiros, uma canção em português, e em ritmo de Bossa Nova – “Amor do Carnaval”, de Letizia Felicite Morelli e Gerard Gueudin – marca uma das cenas românticas do filme. Para ser visto e recomendado.

STONEWALL, ONDE O ORGULHO COMEÇOU
(Stonewall, 2015, 129 minutos)

Direção
Roland Emmerich

Elenco
Jeremy Irvine
Jonny Beauchamp
Caleb Landry Jones
Vladimir Alexis
Ben Sullivan
Patrick Garrow
Alex C. Nachi
Karl Glusman
Otoja Abit
Jonathan Rhys Meyers
Ron Perlman

em cartaz no Espaço Itaú de Cinema Frei Caneca e no Cine Caixa Belas Artes

Carlos Cirne é crítico de Cinema
e há 12 anos produz diariamente
com o crítico teatral Marcelo Pestana
a newsletter COLUNAS E NOTAS,
de onde o texto acima foi colhido.


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