Thursday, October 27, 2016

MEDALHA PRA CACHORRO (uma crônica de Ademir Demarchi)



Segundo o IBGE, com base em dados coletados em 2013 e agora divulgados, as residências brasileiras têm mais animais domésticos que crianças. Ou seja, as famílias brasileiras criam 52 milhões de animais contra 45 milhões de petizes. E a tendência aponta que a disparidade crescerá... Essa é uma constatação importante, que deve ter alguma relação com a estapafúrdia movimentação amplamente favorável à diminuição da maioridade penal. Mais que sinais, parecem sintomas de que se está mudando a forma com que se encara a infância no país, com muita sandice mais no meio. Tanto que o Stanislaw Ponte Preta tem dado piruetas em seu cemitério carioca, tal a intensificação canina do Festival de Besteiras que Assola o País, o FEBEAPÁ, algumas das quais seleciono, especialmente enviadas por ele do além. Disse-me ele que gente chamando cachorro de “filho”, se autoproclamando “mamãe” e “papai” de bicho, construindo mausoléu em cemitério, fazendo e comprando roupas de grife pra vestir bicho que já tem pelo como proteção, criando até cerveja e comida de humano adaptadas para compartilhar, além de infinitas outras gabolices parece que já virou algo “natural”. Ou seja, a Natureza já não é mais selvagem... mas doméstica. Porém dar medalha pra cachorro em uma câmara de vereadores e, ainda mais, sendo da maior cidade do país, é a cereja que faltava. Pois está lá na Folha de S. Paulo de 24/5/2015 na coluna social, claro, pois bicho já é “high society” há tempos, sempre tendo muito o que dizer. E confirmando isso, equipes de duas redes de televisão estavam lá para entrevistá-lo... Bruno (nome do cachorro...), é “o primeiro cão da América Latina a realizar investigações policiais” e, batendo mais um recorde, o primeiro cão a ser homenageado pela Câmara... logo o Primeiro Cidadão Canino... É um farejador de pessoas desaparecidas, mortas ou escondidas, que parece estar acima dos humanos com sua inteligência... digamos, canina, a essa altura já superior à humana... (“Bruno olha com tédio as autoridades à sua frente”, “informa” a “jornalista”...) indiferente a que significado poderia ter para um cachorro receber uma medalha e um diploma em sessão solene no salão nobre, um lugar qualquer para ele, tornado qualquer lugar pelos vereadores. Se a moda pega logo teremos sessões para entrega de título de cidadão pirarucu em Manaus, de jacaré em Campo Grande, papagaio em Brasília, calango em Pernambuco, cavalo no Rio Grande do Sul e até tainha em Florianópolis... E se não bastasse isso, em Santos temos campanha de sangue pra cachorro. O jornal A Tribuna começou com uma conversinha mole dizendo que “É comum o baixo estoque em bancos de sangue estampar as capas de jornais, principalmente na temporada de férias e nas semanas que antecedem feriados prolongados. No entanto, um outro público, que também necessita de doação, acaba sendo esquecido por muitos doadores: os cachorros”. O leitor doador de sangue se remói de culpa por não estar se lembrando dos pobres cachorros... Então o “jornalista” conclui atemorizador que a universidade local está realizando “a primeira edição da campanha de doações para cães – Doe Vidas”. Aí danou total. Além desse título amedrontador o jornal não diz se, com a doação da vida, o enterro está garantido, o que seria útil pra muita gente que não tem onde cair morto. Depois desses sustos, informa requisitos que os cães doadores devem cumprir. Ufa! Não é dos humanos que se tira o sangue! E dá um recado para gatos enciumados: “não temos um banco de sangue para gatos no Brasil, mas interessados podem se inscrever”. Miau!


Ademir Demarchi é santista de Maringá, no Paraná,
onde nasceu em 7 de Abril de 1960.
Além de poeta, cronista e tradutor,
é editor da prestigiada revista BABEL.
Possui diversos livros publicados.
Seus poemas estão reunidos em "Pirão de Sereia"
e suas crônicas em "Siri Na Lata",
ambos publicados pela Realejo Edições.
Suas crônicas, que saem semanalmente
no Diário do Norte do Paraná, de Maringá,
passam a ser publicadas todas as quintas
aqui em Leva Um Casaquinho








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