Saturday, May 5, 2018

AS DORES DE SUZANE (por Marcus Vinícius Batista)



Conheci a jornalista e escritora Suzane Frutuoso, há uns três meses, numa feira cultural, no Teatro Municipal de Santos. Ambos estávamos a trabalho e pouco conversamos. O assunto acabou sendo o irmão dela, Alex, um amigo e colega de profissão.

Minha esposa, Beth, teve maior contato com Suzane. As duas bateram papo e Beth assistiu e se emocionou com uma palestra dela, voltada para mulheres. As duas trocaram livros de própria autoria. Beth veio com “Tem dia que dói”, que reúne crônicas de Suzane, publicadas originalmente num blog. Mal deixou que eu o folheasse. “Vou ler primeiro”, me disse. A proibição, claro, aguçou minha curiosidade.

Primeiro, li partes escondido. Depois, Beth me deu salvo-conduto não oficial e, de forma explícita, coloquei meu marcador junto do dela. Dias depois, o livro descansava, sem pudor, do meu lado da cama. Duas, três crônicas por dia eram refeição mental suficiente para a digestão reflexiva.

O livro de Suzane Frutuoso é uma pequena joia, que se escondia entre os estandes daquela feira cultural. Em tom pessoal, os textos nos mostram quem é a autora, sem afetações e camuflagens que costumam revelar mais dos personagens do que da persona.

O texto é simples, mas jamais simplório. A simplicidade é o cimento que sustenta a compreensão de temas muitas vezes espinhosos, como a doença que acometeu Alex, há cinco anos. Alex, aliás, é um dos jornalistas mais generosos que conheço. Um monge em formação, cujas mudanças na vida são perceptíveis nas entrelinhas das crônicas da irmã.

Suzane passou a publicar seus textos depois de uma queda brusca na vida. Foi o tipo de tombo que nos coloca numa encruzilhada: ou muda de rota ou perde por nocaute. A autora resolveu redirecionar os caminhos e expôs a nova trajetória.

Ela nos revela, por exemplo, seus defeitos, sem vestir o manto de vítima, sem fazer falsas promessas ou corrigi-los com ares heroicos. Suzane reconhece, nas crônicas, a dificuldade em pedir ajuda e em aceitar gentilezas, características ditas por amigos e pelo irmão. Por que será que me identifiquei com esta crônica, uma das últimas que li?

A profundidade dos textos não está na primeira camada de palavras que compõem a forma dela ver o mundo, e sim no jeito com as trata, no impacto posterior que transforma o livro em espelho do leitor. A profundidade dela se instala no sangue como um hóspede que te faz refletir antes de devorar o texto seguinte. É como se Suzane estivesse sentada, ao nosso lado, num banco de jardim, a explicar, divagar, ouvir e filosofar sobre o que nos cerca e nos alcança.

A autora não se posta como guru, erro comum daqueles que escrevem para apontar a fórmula das soluções fáceis, genéricas e que determinam o que deve acontecer com o leitor, e não dá a ele o poder de abrir as janelas e enxergar lá fora. Suzane coloca muitas situações com firmeza, todas presentes no cotidiano atual, em que enfraquecemos as relações humanas ao mesmo tempo que fingimos representá-las sob a forma da vida editada em curtidas e afins. Firmeza, claro, não é dar as respostas, até porque quem sente o que se passa não as possui.

Quando escreve, Suzane rasga as próprias dores, compartilha experiências e pede pelo diálogo com o leitor. A simplicidade nos aproxima, o amor pelos pequenos (grandes) momentos nos apanha pela mão, os erros que nos transformam são nossos, ainda que semelhantes. É a crônica como prato que nos alimenta sem cobrar a conta. Há o livre arbítrio de saboreá-las.

O livro “Tem dia que dói” é o tipo de obra que causa a sensação de que conhecemos o autor, mais do que um breve bate-papo em local de trabalho. Conhecemos pela verdade e honestidade intelectual, que costuma atravessar a boa literatura.

Além de ser leitor de Suzane, colega de profissão e de microfone (às vezes) do irmão dela, fui aluno da mãe deles, Suzel. Os Frutuosos são quase da família. Só falta o almoço de domingo. Se for para conversar sobre livros e a vida, eu aceito o convite.

(publicado originalmente em CONVERSAS E DISTRAÇÕES em 12 de Março de 2018)

 
Marcus Vinícius Batista
é o cronista santista número um, ponto.
É autor de "Quando Os Mudos Conversam"
Realejo Livros)
coletânea de crônicas escritas
entre 2007 e 2015.
Atendendo a um pedido
de LEVA UM CASAQUINHO,
ele se dispôs a resgatar
algumas de suas crônicas favoritas
escritas nos últimos anos
para republicação no BAÚ DO MARCÃO.

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