Rever
o “Rei da Vela” sempre acresce -- imagino a maturação da peça para quem viveu
1968 e agora reassiste! Se teve imensa função durante aquele abjeto governo
Costa e Silva e sob a Guerra do Vietnã não seria noutra ocasião maior impacto:
nem durante a reabertura de Geisel, as Diretas Já ou na ascensão de Lula em
2002 depois do governo FHC, nunca o espetáculo-manifesto foi tão útil para
reflexão das tramas do capitalismo, os tentáculos do imperialismo e a
manutenção da desigualdade sócio-econômica no Terceiro Mundo. Oswald foi quase
pedagógico no texto-fonte e a adaptação ainda carrega nas tintas desse
didatismo visceral dessa distopia insistente de opressão e parasitismo do
mercado institucionalizado. Se falávamos em economia de mercado hoje
trabalhamos com idéia mais perversa:
sociedade de mercado, coisificação pelo consumo, descartabilidade do ser
pelo horror econômico. A caricatura faz emergir o paroxismo dos personagens e
da práxis selvagem do colonialismo brasileiro sempre reinventado em seus piores
aspectos escravocratas: a idiotização midiática, o aviltamento estético, o
nivelamento pelo grau de consumo e não de poder crítico dos sujeitos
autônomos, a “macdonaldização” da
existência mantêm vivíssimo o enredo dos
Abelardos....Sua atualidade é sua denúncia. Se sua força vibra é por heroísmo
raro: as reformas de base, o método Paulo Freire, a luta indianista de Darcy
Ribeiro, o Cinema de Glauber, tudo parece tragicamente tão esquecido e o
Oficina ainda ressoa apesar das novas direitas, do fascismo ressuscitado e da
indiferença das elites. O que ficou da adaptação original que Zé Celso fez do
bufão erudito em 1967? Tudo rebobinado fora os cacos enxertados com “Fora Temer”,
“Abaixo Moro” e quejandos: ok que faça parte do ´agiornammento´ a inserção “fofa” de gritos de guerra contra
a conjuntura, mas corre perigo de reducionismo e confusão de alvos. O Oficina é
estratosfericamente maior que nosso momento canhestro, nosso contexto patético!
Marcelo Drummond não deve nada ao protagonista pioneiro e o elenco de apoio
irrepreensível: talvez enxugar alguns arremedos ideológicos mal colocados seja
o grande barato para teletransportar no tempo essa saga antológica. O
personagem que remete a Menotti Del Picchia por exemplo é soberbo e questões
estéticas, especialmente literárias poderiam ser melhor alinhavadas se o teatro
conhecesse a literatura atual. O teatro
não mais conversa com a literatura: isso é triste! Nem Zé Celso e o Oficina
sempre antenado intertextualmente demonstram conhecer quem faz o que em prosa
& verso hoje. O momento é perigosamente fascinante para assistir “O Rei da
Vela”: exige sutileza e não-contaminação sectária do espectador, a peça exige
olhar heterodoxo, heteróclito, insisto: uma mirada deleuziana!! para o elevado
pastiche, a inquietante paródia, as metáforas subjacentes. O espetáculo (e
quanto adjetivo esse termo!) por sua eloquência mutante precisa pisar em ovos
para não contaminar-se do fugaz no devir de
seus rizomas inseminantes. O “Rei da Vela” merece desconstrução caleidoscópica: retomo essa
práxis semana que vem.....e vela.....
Poeta, contista e crítico literário,
Flávio Viegas Amoreira é das mais inventivas
vozes da Nova Literatura Brasileira
surgidas na virada do século: a ‘’Geração 00’’.
Utiliza forte experimentação formal
e inovação de conteúdos, alternando
gêneros diversos em sintaxe fragmentada.
Vem sendo estudado como uma das vozes
da pós-modernidade literária brasileira
em universidades americanas e européias.
Participante de movimentos culturais
e de fomento à leitura, é autor de livros como
Maralto (2002), A Biblioteca Submergida (2003),
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