Thursday, May 24, 2018

O REI DA VELA REVISTO (por Flávio Viegas Amoreira)



Rever o “Rei da Vela” sempre acresce -- imagino a maturação da peça para quem viveu 1968 e agora reassiste! Se teve imensa função durante aquele abjeto governo Costa e Silva e sob a Guerra do Vietnã não seria noutra ocasião maior impacto: nem durante a reabertura de Geisel, as Diretas Já ou na ascensão de Lula em 2002 depois do governo FHC, nunca o espetáculo-manifesto foi tão útil para reflexão das tramas do capitalismo, os tentáculos do imperialismo e a manutenção da desigualdade sócio-econômica no Terceiro Mundo. Oswald foi quase pedagógico no texto-fonte e a adaptação ainda carrega nas tintas desse didatismo visceral dessa distopia insistente de opressão e parasitismo do mercado institucionalizado. Se falávamos em economia de mercado hoje trabalhamos com idéia mais perversa:  sociedade de mercado, coisificação pelo consumo, descartabilidade do ser pelo horror econômico. A caricatura faz emergir o paroxismo dos personagens e da práxis selvagem do colonialismo brasileiro sempre reinventado em seus piores aspectos escravocratas: a idiotização midiática, o aviltamento estético, o nivelamento pelo grau de consumo e não de poder crítico dos sujeitos autônomos,  a “macdonaldização” da existência  mantêm vivíssimo o enredo dos Abelardos....Sua atualidade é sua denúncia. Se sua força vibra é por heroísmo raro: as reformas de base, o método Paulo Freire, a luta indianista de Darcy Ribeiro, o Cinema de Glauber, tudo parece tragicamente tão esquecido e o Oficina ainda ressoa apesar das novas direitas, do fascismo ressuscitado e da indiferença das elites. O que ficou da adaptação original que Zé Celso fez do bufão erudito em 1967? Tudo rebobinado fora os cacos enxertados com “Fora Temer”, “Abaixo Moro” e quejandos: ok que faça parte do ´agiornammento´  a inserção “fofa” de gritos de guerra contra a conjuntura, mas corre perigo de reducionismo e  confusão de alvos. O Oficina é estratosfericamente maior que nosso momento canhestro, nosso contexto patético! Marcelo Drummond não deve nada ao protagonista pioneiro e o elenco de apoio irrepreensível: talvez enxugar alguns arremedos ideológicos mal colocados seja o grande barato para teletransportar no tempo essa saga antológica. O personagem que remete a Menotti Del Picchia por exemplo é soberbo e questões estéticas, especialmente literárias poderiam ser melhor alinhavadas se o teatro conhecesse a literatura atual.   O teatro não mais conversa com a literatura: isso é triste! Nem Zé Celso e o Oficina sempre antenado intertextualmente demonstram conhecer quem faz o que em prosa & verso hoje. O momento é perigosamente fascinante para assistir “O Rei da Vela”: exige sutileza e não-contaminação sectária do espectador, a peça exige olhar heterodoxo, heteróclito, insisto: uma mirada deleuziana!! para o elevado pastiche, a inquietante paródia, as metáforas subjacentes. O espetáculo (e quanto adjetivo esse termo!) por sua eloquência mutante precisa pisar em ovos para não contaminar-se do fugaz no devir de  seus rizomas inseminantes. O “Rei da Vela” merece  desconstrução caleidoscópica: retomo essa práxis semana que vem.....e vela.....



Poeta, contista e crítico literário,
Flávio Viegas Amoreira é das mais inventivas
vozes da Nova Literatura Brasileira
surgidas na virada do século: a ‘’Geração 00’’.
Utiliza forte experimentação formal
e inovação de conteúdos, alternando
gêneros diversos em sintaxe fragmentada.
Vem sendo estudado como uma das vozes
da pós-modernidade literária brasileira
em universidades americanas e européias.
Participante de movimentos culturais
e de fomento à leitura, é autor de livros como
Maralto (2002), A Biblioteca Submergida (2003),
Contogramas (2004) e Escorbuto, Cantos da Costa (2005).

No comments:

Post a Comment