Pessoas numa
praça domingo à tarde. A amedrontadora manifestação de ‘gate keepers’ em redes
sociais. Um hino nacional envolto nas cores amarela e verde.
O sistema da
técnica que engole reputações: sob o nobre motivo de um país mais justo e menos
corrupto, o discurso se refez pelos desejos obscuros de força e potência para
as soluções de um caos antevisto e avisado.
A democracia se
resumiu a bater panelas, cantar hinos em praças e apertar teclas de urnas
eletrônicas. Na perfeita impotência diante de gigantes bem maiores, a raiva nas
formas de uma arregimentação política com base no “contra o humano” ganha seus
primeiros contornos.
A anomia no
século XXI apresenta seu primeiro desafio: tornou-se uma bomba-relógio cujo
desarme perpassa pela completa incompetência em descontinuar o inumano. Diante
desse fracasso, esse fracasso pessoal e social, rangem-se os dentes e rosnam-se
vídeos em mensageiros instantâneos.
Desamor e
desunião: as boas pessoas, pela técnica, matam. Cada um permanece a vigiar ‘o
seu’, filas, angústia, agonia. Em nome de dias melhores, a ideia de que a força
coletiva precede o lastro do conhecimento e do pensamento. No momento de crise,
o sumiço do combustível nos mostra o quanto somos incapazes na distância da
sabedoria.
Nossa
incapacidade completa, íntegra, de produzir qualquer coisa que desmantele esse
inumano. Resumidos os gestos: camisas de seleção, bandeirinhas chacoalhando,
buzinas, carros de som de centrais sindicais seguidos pelos esmagadores de
panelas.
A ausência da
prudência, a espera, o aguardo do devir que bem revela que só haverá muito
erro, de quem for, sem a voga de um pensamento na contemplação de um horizonte.
O combustível
inexiste. Na esperança de um encerramento de ciclo, uma quinzena em que um país
inteiro foi posto na leseira de um feriado, de férias em algum ponto remoto e
banhado pelo mar.
A deliciosa
indolência das 15 horas: acabaram-se a pressa, a urgência dos relógios, os
rigores da agenda. Caminha-se como se o trabalho perdesse peso, as crianças
indo e voltando de suas escolas, o passeio dos pequenos com mais descobertas. A
surpresa de reparar, finalmente, nas flores dos canteiros, nos latidos ao
portão, nos buracos da calçada, na feiura das fachadas, na quantidade excessiva
de fios nos postes.
Vias vazias. A
cidade é a prova maior de uma falência: sem qualquer serventia quando
vocacionada à aglomeração desmedida e impensada. Esses bairros, esses bairros
interioranos. Esses bairros vazios com gente dentro. O combustível traz a desordem
da perturbação. Quando se cala, o préstimo da boa vida pelo desarme dos
espíritos.
Pelas ruas, à
noite, lugares para estacionar, restaurantes com o número certo de fregueses,
lanches incompletos pela falta da alface, o forte cheiro de esgoto que se ergue
dos canais. Passo a passo, a primeira parada com a água-doce de canela, a
segunda com a cerveja mais gelada do que nunca, tempo suficiente para a
conversa com amigos, o compartilhamento com o testemunhado ao longo do dia.
Houve
temperança: dentro de um ritmo natural, ou aquele que deveria ser sempre, o
conteúdo das falas descreve muito mais detalhes apreendidos, bem mais do que
aqueles não revelados pelo silêncio da gasolina.
Marcelo Rayel Correggiari
nasceu em Santos há 48 anos
e vive na mítica Vila Belmiro.
Formado em Letras,
leciona Inglês para sobreviver,
mas vive mesmo é de escrever e traduzir.
É avesso a hermetismos
e herméticos em geral,
e escreve semanalmente em
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