Wednesday, May 2, 2018

MANDA NUDES... (por Marcelo Rayel Correggiari)


Correrei o risco...
... mas penso que vale o debate.
Com a popularização das transmissões de sessões plenárias em casas legislativas e cortes país afora, veio a indagação: em especial no judiciário, cabe essa quantidade excessiva de ‘juridiquês’?!
Cabe essa quantidade de expressões latinas nas leituras de votos e decisões dos magistrados(as)?!
É um bom debate. Se pensarmos em um médio ou pequeno agricultor que labuta de sol-a-sol e quase não tem tempo para assistir a uma sessão plenária do Supremo, a tradução dos termos latinos seria bem-vinda.
Agora, para o povo da cidade, com celular no bolso, ora, por favor!
Gastam um tempo absurdo com Facebook e mensageiros instantâneos (WhatsApp, Telegram, Messenger, e afins) e são incapazes de pegar o termo latino e jogar no Google Translator.
É a mesma preguiça que assola motoboys na não-utilização do Google Maps. Quem é que explica isso: dar informação sobre onde fica determinado logradouro quando o motociclista em questão tem um celular no bolso com o ícone de acesso ao serviço na tela inicial do telefone?!
Enfim, sem grandes respostas imediatas, pelo jeito...
No caso do Google Maps, é possível, inclusive, calcular o tempo do itinerário para as várias formas de locomoção (a pé, de bicicleta, trem, ônibus..). Só que ninguém usa. Até o Uber se utiliza do estilo de recurso inaugurado pela Google para suas corridas, mas, quem sabe, é mais confortável ficar de esquina em esquina perguntando onde fica tal rua.
Estranho. Tudo muito estranho.
Tanto que a Google Translator jamais descartou, na sua ‘paleta’ de idiomas, o Latim. Com uma quantidade considerável de idiomas ‘neo-latinos’, seria grande paradoxo deixar de fora uma língua que, apesar de só utilizada pela Igreja Católica, foi caso lexicogênico do Espanhol, Italiano, Francês, Português, Romeno, ...
Traduzir o ‘juridiquês’, OK! Com a quantidade de embargos pintando nas telas de televisão nos últimos tempos, cabe facilitar um pouco as coisas para o ‘grande público’ que não teria lá ‘agendas folgadas’ para enfiar as caras nas ciências jurídicas só para entender o voto dos(as) ‘eminentes ministros(as)’.
O ponto ainda não é esse. A questão seria o perigo do rebaixamento das técnicas, que possuem suas próprias expressões (os famosos ‘jargões’), para dentro de um molde bom na confecção do que chamaríamos de ‘mensagem fria’ e/ou ‘cultivo do popularesco’.
Aí, seria de avacalhar o cangaço...
Bem sabemos que um sério problema de didática evita o ensino do Latim e de etimologia nas redes de ensino. Realmente, se o(a) “prof” não for “do ramo”, a aula fica insuportável. Como não há mais criatividade pedagógica para essas duas matérias (que deveriam ser escolares!), botam-se as duas para o lado de fora e “... segue o baile”.
Resultado: a massa da população em nosso país é ‘de longe’ a que pior utiliza as palavras por desconhecer sua origem e sentido original: um show de desvio semântico que é de doer no espírito.
Empurrar esse ‘déficit’ para áreas e sistemas de conhecimento (como as operações do judiciário, por exemplo) “... só porque não entendemos o que está sendo dito...” serviria de belo exemplo para o mestre Paulo Arantes quando aborda as questões de “rebaixamento”.
Bem mal comparando, seria o mesmo que um presidente da República decretasse, por vias legais e escrotas, que Chico Buarque, Caetano Veloso, João Guimarães Rosa ou Cruz e Souza fossem obrigados a escrever suas obras e livros de acordo com o campo semântico (e suas devidas expressões) encontrado nas letras das músicas da Anitta ou algum ‘MC’ do momento.
É o fim da riqueza e/ou da diversidade de expressões. “Porque eu não entendo...”, rebaixa-se o que há de mais elaborado em termos de morfossintaxe e estilística para que se garanta uma comunicação que já existe, só que com registros (perfeitos!) dominados por poucos graças a um sistema de ensino nacional cuja “ponta-de-lança”, o(a) professor(a), é visto pela própria sociedade como uma categoria profissional abaixo de ‘matadores-de-aluguel’.
Entende-se, assim, que o debatido por aqui nada mais é do que “... a velha forma carcomida da opressão linguística contra a espontaneidade expressiva das camadas mais desassistidas...”?! Claro que não! Cabe o debate para se entender o limite do rebaixamento, a linha tênue de não se ficar relativizando “por baixo”. A ‘transformação para melhor’ costuma ser mais dolorosa & dolorida, exige mais, enquanto a ‘transformação para pior’ (acreditem! Tudo pode ser bem pior do que já se encontra) é a coisa mais fácil do mundo.
Simplificação nem sempre facilita o mundo. São coisas distintas. Ao invés de se assumir os encargos de uma ‘transformação para melhor’, “facilitam-se” as coisas e o tiro sai pela culatra.
Nessa batida, em breve, magistrados(as) requererão aos(às) Ilmºs Srs(ªs) advogados(as), nas devidas instruções do processo e que se anexem aos autos, o famigerado “Manda Nudes!”. “(...) hoje é festa lá no meu apê/pode aparecer/vai rolar “bunda-lê-lê” (...)”.

Marcelo Rayel Correggiari
nasceu em Santos há 48 anos
e vive na mítica Vila Belmiro.
Formado em Letras,
leciona Inglês para sobreviver,
mas vive mesmo é de escrever e traduzir.
É avesso a hermetismos
e herméticos em geral,
e escreve semanalmente em
LEVA UM CASAQUINHO

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