Saturday, May 5, 2018

FORMIGAS (por Denise Marino)



Uma cena ocorrida hoje, trouxe de volta uma velha imagem da infância.

Fazia calor. Na parece branca da cozinha, uma fila de formigas se dirigia para algum lugar (as formigas, às vezes, parecem caminhar sem rumo).

Fui até o armário e peguei o veneno que, talvez por pudor, insistimos em chamar “remédio”: remédio para formigas; remédio para mosquitos, remédio para baratas. O remédio, certamente, é para nosso alívio; não para o deles.

Mas, enfim, apliquei uma carreirinha daquele veneno que já vem preparado numa espécie de seringa no parapeito da janela.

É um veneno bonito: cor de rosa translúcido. Até eu me sinto atraída por ele, imagine as formigas! Acredito que elas tenham vontade de mergulhar. É o que eu sentiria se visse um riacho de gel cor de rosa, brilhante e transparente. Ainda mais num dia de calor.

Imagino, além disso, que o sabor seja doce e com cheiro de doce. Irresistível.

Algumas horas depois voltei à cozinha. O veneno havia escorrido pela parede e no seu rastro se formara uma fila preta de formigas mortas.

Confesso que senti um aperto no peito e me odiei um pouco. Eram seres vivos, talvez alegres. Talvez famintos. Algumas talvez tivessem crianças para criar ou velhos para cuidar. Que mal nos fazem as formigas? Será que elas tinham nomes?

Eis que de repente, enquanto olhava para aquela fila negra de carnificina e meditava, alguma coisa se mexeu.

Peguei os óculos.

Era uma formiga viva! Uma sobrevivente!

Ela se movia desesperada. Ia até as companheiras estendidas e voltava. Ia e voltava, como se com seu corpo perguntasse:  – o que aconteceu aqui? Elas estão mortas? Por que não se mexem? Por que não falam comigo?

Então, para consolo da aflita, surgiu de não sei onde, uma outra formiga. Ela parecia mais calma e sábia. Tinha um andar mais decidido.

As duas ficaram tricotando antenas, confabulando. Como eu gostaria de ouvir o que estavam dizendo...

Estarão tentando entender a causa do extermínio?

– “Não mergulhem nesse rio, não comam desse doce” – gritei arrependida e já, cheia de amores pelas formiguinhas.

– “Ai, meu deus, não adianta gritar. Elas são tão pequenas, não me ouvem”

Foi aí que me voltou à mente, a velha imagem da infância, de quando eu perseguia as formigas no jardim para descobrir para onde levavam o butim de folhas e pedaços de insetos: naquela época, eu pensava...

– “E se fossemos nós, os humanos, as formigas do jardim de gigantescos gigantes?”





Meu nome é Denise Mattos Marino,
mas fui sintetizada: Denise Marino
ou, simplesmente, Dê,
acompanhada ou não do Marino.
Sou historiadora e professora de história.
Atualmente aposentada – fui mais rápida
que a reforma. Mas ainda levo
para os meus aposentos a curiosidade,
o “só sei que nada sei”
e a vontade de ensinar.

Ah! Sou libriana.

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