Wednesday, May 2, 2018

O FILME DA SEMANA É "DEIXE A LUZ DO SOL ENTRAR", NOVO TRABALHO DE CLAIRE DENIS

por Ricardo Vieira Lisboa
(de Lisboa) para


“Un Beau Soleil Interieur” (Deixe A Luz do Sol Entrar, 2017) é, logo a começar pelo título, uma estranha paródia. Donde poderá vir tal expressão? Sol interior?Belo? De algum livro de auto-ajuda? Nem mais. Na sequência que tudo clarifica e tudo literaliza, a cena final, a protagonista Isabelle (Juliette Binoche a fingir que é Isabelle Huppert) encontra-se com um vidente/coacher emocional (Gérard Depardieu) que na vagueza das suas palavras desencanta a expressão que intitula o filme. Uma conversa que tudo diz para quem nela quer ouvir o que deseja – e que se prolonga infinitamente, ainda que nada de interesse se oiça (não por acaso correm os créditos sobre essas palavras). Denis parece querer fazer com “Deixe A Luz do Sol Entrar” uma espécie de comédia romântica como mandam as regras da fórmula, mas sendo Claire Denis falha redondamente. E é nessa falha, nesse intervalo estreito entre o formulaico do rom-com e o cinema de autor do controlo sóbrio, que surge um filme estranhíssimo. Um melodrama que nunca chega a sê-lo, uma comédia que nunca dá exatamente para rir, uma paródia que se leva a sério, uma astúcia inconsciente, enfim, um desfile de personagens que sofrem de uma infantilidade emocional exasperante. E que por causa disso se magoam, mutuamente, em batalhas campais de sentimentos nefastos. Coisa diabólica na inconsequência da dor que causa – e só faz rir porque chorar é demasiado cliché.


Um filme que retrata esse desespero que corre no vazio, o desamor sem fundo, as expectativas construídas no ar. Mas donde vem tudo isso, todo esse desalento emotivo? Das comédias românticas, lá está. Lato sensu… Das efabulações poéticas do amor. E se o filme adapta livremente os Fragmentos de um Discurso Amoroso de Roland Barthes, apetece dizer que na verdade Denis é mais crente no Lacan, “o amor está já desde há algum tempo separado da beleza”. Daí a acidez irónica do título. Porque segundo Denis (e Lacan e demais carpideiras das possibilidades transfiguradoras do amor, da alegria e da felicidade) “o amor ter-se-á transformado numa banalidade sórdida, num lamentável fiasco entre corpos”. “Deixe A Luz do Sol Entrar” será portanto a afirmação triste (e até nostálgica) disso mesmo: de que as projecções imaginárias  no amante conduzem a um confronto violento com a dura realidade. Confronto esse que é tanto mais doloroso quando se esperaria que a meia-idade dos vários personagens, a classe, os conhecimentos e as sensibilidades (artísticas) trariam consigo uma maturidade qualquer. Longe disso. A adolescência vigora, ad aeternum, como espécie de condenação perversa dos românticos.
DEIXE A LUZ DO SOL ENTRAR
(Un Beau Soleil Intérieur, 2017, minutos)

Roteiro e Direção
Claire Denis

Elenco
Juliette Binoche
Gérard Depardieu
Nicolas Duvauchelle
Xavier Beauvois


Cotação
Em Cartaz no Roxy Pátio Iporanga


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