‘’Precisa de
muita coragem para aceitar
a mediocridade
aquele que persegue ideais
sublimes que não
são deste mundo. O tempo
passa rápido e
as mentalidades mudam lentamente.’’
Luchino Visconti
(1906-1976)
Se
é doce morrer no Mar, a sala de cinema numa matinê tranquila é lugar perfeito
quando ‘fim de mundo’. Evadir-se do bulício urbano até sessão ao crepúsculo é a
caverna platônica ao avesso: reflexos revelam o Ideal sem irreal estilhaçado
das ruas , no sombreado do projetor retemos Ilusão contínua do Absurdo. Cinema
e Literatura, artes menos gregárias, prazeres orgiásticos enlevando muito além
da solitude. Não assistimos engalanados fitas e livros: o desnudamento que se
impõe e seduz. Cineastas de cabeceira: Luchino Visconti e Ingmar Bergman;
diretores que escreviam filmando: cada tomada um fraseado, cada close um poema
em plano profundo. Visconti, Conde de
Milão, aristocrata marxista, mentor de Callas, Magnani e Delon, oferece em
livros-imagéticos a dimensão fatídica do indivíduo entre Desejo e Sociedade,
sensualismo e razão; Bergman incute angústia filosófica e desespero
psicológico. Se algo retenho nas retinas incansadas é o jogo de xadrez do
Cavaleiro ( Max Von Sidow ) com a Morte em ‘’O Sétimo Selo’’ (clássico-mor que
faz 50 anos) e a dicotomia existencial Oceano/ Lago no inigualável tratado da
Alma: ‘’Persona’’. Visconti, esteta-iconoclasta prova ser a Sensibilidade
essência mágica extraída da Dor. A finitude pateticamente esvaindo diante sutil
veneno da Beleza: ‘’Morte em Veneza’’ faz de Dirk Bogarde ao som de Mahler
símbolo da supremacia da Subjetividade dilacerada sobre a névoa fugaz dos dias.
O mundo maior é dentro de nós: ‘’A subjetividade, a interioridade, é a Verdade
(Kierkegaard). Impossível não ‘ler’ Bergman e Visconti ‘vendo’ : a Poesia
supera papel impresso, extrapola suportes, é intertextos. Com o luso Herberto
Helder, Bergman é o maior poeta vivo na sua distante Suécia, país tão
arquétipico quanto a Itália: Bergman é o rapsodo do celulóide, Visconti o
prosador intimizado hoje em DVDS como suplemento obrigatório à Dostoievski ou
Thomas Mann. Bergman lunar, Visconti mediterrâneo, um hetero-misógino, outro
gay conhecedor das mulheres; Bergman mirando o silêncio de Deus, Visconti a
degradação eloquente por inutilezas sem ‘numinosidade’. Bergman é
cético-cósmico, Luchino profeta terreno da decadência. ‘Pelo’ quê vivemos? (o
sueco indaga) e ‘como’ insistimos viver? (o peninsular); desconstruo diálogos e
ângulos decodificando Tragédia (Bergman) ou Drama (Visconti ). Seus monumentos
fílmicos não são experimentos formais-estilísticos: é no conteúdo que ambos
inscreveram o Cinema na maturidade expressiva alçando estatura da milenar
dramaturgia. Cinema é liturgia do olhar, a sagração da palavra adensada em imagens
‘dizendo’ o inexprimível por gritos e sussurros através dum espelho
reverberando que só pressentíamos. Na Arte, como na Vida, sempre há reposição
de estoque: a mesma força que nos toca em ‘’Rocco’’ ou ‘’Morangos Silvestres’’
renasce em cápsulas tímidas de Alta Cultura e CineArte: o Brasil enfim retoma
as veredas com ‘’Cinema, Urubus e Aspirinas’’, sem decalque telenovelesco ou
pastiches ‘oscarizáveis’, o road-movie de Marcelo Gomes convida certa burguesia
idiotizada à uma reflexão possível da fraternidade em linguagem genuinamente
nacional. Literatura é diálogo entrelinhas: o que devo à Joyce e Clarice não é
menos que ao bardo de Uppsala ou ao nobre lombardo. Saúdo Bergman e Visconti
feito Pessoa saudando Whitman. Seja livro ou filme é indistinto alhumbramento.
Só os saltimbancos dão xeque-mate...
Poeta, contista e crítico literário,
Flávio Viegas Amoreira é das mais inventivas
vozes da Nova Literatura Brasileira
surgidas na virada do século: a ‘’Geração 00’’.
Utiliza forte experimentação formal
e inovação de conteúdos, alternando
gêneros diversos em sintaxe fragmentada.
Vem sendo estudado como uma das vozes
da pós-modernidade literária brasileira
em universidades americanas e européias.
Participante de movimentos culturais
e de fomento à leitura, é autor de livros como
Maralto (2002), A Biblioteca Submergida (2003),
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