Friday, May 25, 2018

UMA SAUDAÇÃO A PHILIP ROTH (publicado originalmente em 25 de Agosto de 2015)


por Chico Marques



Estou feliz. Chegou ontem pelo Correio minha edição da Library Of America com a coleção completa dos escritos de Philip Roth em 10 volumes. Pretendo em breve começar a reler todos os romances que li -- às vezes em traduções, outras no original em inglês -- ao longo desses últimos 35 anos, sempre com imenso prazer. Dessa vez não num paperback qualquer, mas numa edição capa dura que, se não é exatamente luxuosa, chega bem perto.

Sou admirador incondicional de Mr. Roth. Vibro com tudo o que ele escreveu. Não conheço nenhum outro romancista que me desperte esse tipo de sensação. É um estilista denso e admirável -- e o melhor romancista americano, judeu ou não, surgido no Século XX. Ouso dizer que ele é melhor que Dostoievski e Tolstoy juntos (tem gente que vai querer me apedrejar por isso, mas tudo bem, eu aguento o tranco).


Philip Roth é uma figuraça. Quando afirmou à revista francesa Les Inrockuptibles que abandonaria a literatura em novembro de 2012, com a frase "a verdade é que cansei", poucos acreditaram. Afinal, como alguém como ele, que se dedicou de forma tão tenaz à sua literatura por tantos anos, poderia estar falando sério? Pois ele estava.

Em 2014, numa entrevista à BBC, Mr. Roth não só reafirmou sua aposentadoria literária como garantiu diante das câmeras que "esta foi minha última aparição na televisão, absolutamente minha última aparição pública, em qualquer forma e em qualquer lugar".

Essa última frase de Mr. Roth veio em tom de piada, já que ele estava parafraseando uma citação do boxeador norte-americano Joe Louis, que disse, ao se aposentar: "fiz o melhor com aquilo que tinha".

Só que, apesar da piada, a afirmação era verdadeira.


Philip Roth fez o que a imensa maioria dos escritores não consegue fazer: saiu de sua obra para cair na vida.

Quem mantém contato com ele, afirma que jamais pareceu tão relaxado e contente.

Sabe-se que escritores raramente se aposentam por conta de um mix de vaidade e necessidades financeiras. Por isso eles acabam permanecendo em cena por muito mais tempo do que deveriam. Isso explica porque muitas carreiras literárias notáveis muitas vezes encerram em tom menor.

Mas este não foi o caso com Mr. Roth.

Seus últimos atos como escritor conferiram um papel central a si mesmo.

E ele encerrou sua carreira em excelente forma artística.


Em sua longa e espetacular carreira literária, Philip Roth tratou de se reinventar de incontáveis maneiras.

Morou em várias cidades, casou-se com várias mulheres, viveu seu tempo mais intensamente que a imensa maioria dos escritores judeus americanos, constantemente obcecados com o passado. (exceções: Norman Mailer e Joseph Heller)

E, ao sair de cena como escritor aposentado, deixou uma última provocação a seus leitores e admiradores:

"Parti para a grande tarefa do fazer nada. Desejem-me sorte".

Nada como poder dar a última gargalhada.



Chico Marques estudou Literatura Inglesa na UnB-Universidade de Brasília e leu com muito prazer uma quantidade considerável de volumes da espetacular Biblioteca daquela Instituição. Vive em Santos SP, onde, entre outros afazeres, edita o website musical ALTOeCLARO e a revista cultural LEVA UM CASAQUINHO


Para conhecer o catálogo completo
da Library Of America





No comments:

Post a Comment