Friday, May 18, 2018

DESCASAMENTOS (por Ademir Demarchi)



Sempre se fala que o brasileiro é o mais festeiro do mundo, apesar de ultimamente o mal humor estar causando a diminuição das festas. Que é festeiro, todos sabem, basta lembrar da imensa folia do carnaval, as festas coloridas das copas do mundo e uma infinidade de outras pelo país. Mas há um tipo de festa em que o brasileiro anda imbatível: as de casamento. Nesse quesito, os brasileiros arrombam, adoram um espetáculo e gastam os tubos nele.

E a coisa cresceu tanto que as festas aspiram ser um grande espetáculo da Broadway ou uma apoteose do carnaval. Tem cenário, roteiro e uma equipe de técnicos e produtores que não para de crescer. Há casal que improvisa entrando nos cenários de motocicleta, arriscando cheirar a óleo, ou até de cavalo alazão branco, arriscando uma bela defecada verde vegetariana, mas ainda assim de cheiro questionável e bem no meio do salão. E há quem precise de técnico para encontrar helicóptero, avião, paraquedas, disco voador... Estes dias vi cenas de um casamento no fundo do mar, breve veremos no espaço sideral...

De certa forma a festa de casório se tornou uma síntese da vida, pois tudo que a gente pega, é livro pra ler, é filme pra ver, é novela, é conversa entre amigos, é pra falar de relacionamento. Um inferno, tudo acaba em dois e ai se tiver um terceiro, mais casamentos pela frente. Só se fala disso: quem com quem, o que com que. O resto, ah essa vida do dia a dia, os sentimentos, tudo é acessório.

Daí que a festa de casamento se tornou uma espécie de síntese apocalíptica disso tudo, na qual se concentra toda a fantasia de glória e felicidade que nunca se vai alcançar em outro momento. Pois no dia seguinte, já se sabe: contas pra pagar, trabalho chato pra fazer, filhos pra administrar e logo, como as estatísticas não param de dizer, em crescimento exponencial, separações à vista. E têm sido tantas que já dá pra desconfiar que é uma demanda gerada pela festa de casamento, ou seja, deve ter gente se separando só pra fazer outra grande estreia...

E vejam, leitores, como são as coisas. Esta semana recebi o inusitado convite para ir a uma festa. Se pensou que era de casamento, errou feio. Quer outra chance? Pois é, era uma festa de fim de casamento... Não era ainda propriamente um bota-fora porque havia certo comedimento circunscrito a um jantar. E dele falo depois. Antes é preciso contar do meu espanto diante do convite: vou de preto? Aos noivos se joga arroz. O que faço, levo arroz negro? E o vinho? Levo um Viúva Clicquot? E as flores, levo uma coroa? Veja que até pra festa de descasamento a gente já está precisando de técnicos e de consultores...

Que ambiente estranho! A futura ex, lá, faceira, no grupinho das fofocas femininas, contava vantagem: inaugurara um novo sistema de luzes coloridas no banheiro e haviam aberto seu último Veuve Clicquot... Ainda bem que não levei um desses... E contava feliz que tinham tido uma noite de lua de mel de despedida! As luzes eram pra relaxar, mas o marido falou: “Nossa, virou boate!” Daí já dá pra imaginar o resto: flashback dos melhores momentos, quando se conheceram, o primeiro isso, o primeiro aquilo, cururu, cururu. Não são apenas os pombos que se tornaram uma praga urbana... Os pombinhos também.

Em meio aos homens, o futuro ex, lúbrico, só faltava relinchar como se estivesse num pasto vendo miragens de potrancas no cio. Dizia que havia escolhido como prato daquele momento um bacalhau... Os homens se entreolharam e entenderam o significado. Risos. Aí veio o primeiro vinho: um castelão Periquita. Risadas. Veio o segundo vinho: um cabernet Cousiño Macul, numa pronúncia street que deram a essas duas palavras o mesmo sentido, ainda que um no diminutivo e outro no aumentativo. Gargalhadas. Então veio a terceira garrafa: um malbec Marraso. Aí, todos já meio embriagados, se esbodegaram de vez, tal como num casamento...



Ademir Demarchi é santista de Maringá, no Paraná,
onde nasceu em 7 de Abril de 1960.
Além de poeta, cronista e tradutor,
é editor da prestigiada revista BABEL.

Possui diversos livros publicados.
Seus poemas estão reunidos em "Pirão de Sereia"
e suas crônicas em "Siri Na Lata",
ambos publicados pela Realejo Edições.
Suas crônicas saem todas as quintas
aqui em Leva Um Casaquinho

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