Nunca entendi direito essa babação de ovo generalizada que rola desde sempre com a figura duvidosa de Chico Buarque de Holanda.
Conheço Chico desde o tempo em que bebia Bells até cair no Bar do Estúdio da Phonogram, e posso afirmar que seu caráter sempre seguiu na contramão de seu talento como compositor.
Apesar dos Anos 1970 ser uma época de excessos de todos os tipos, eram poucos os artistas que queimavam seus filmes enchendo a cara no Bar da Phonogram, até porque aquilo, bem ou mal, era um ambiente de trabalho. Chico era um deles. Raul Seixas e Tim Maia eram os outros dois. A lista parava por aí.
Na época, a Phonogram vivia uma relação complicada com Chico, pois, apesar de seus discos venderem pouco, tê-lo no elenco era questão de honra para o marketing da Companhia -- que se orgulhava de ter sob contrato a Santíssima Trindade dos Cantores-Compositores Brasileiros: Caetano Veloso, Gilberto Gil e ele.
"Construção" (1971), como indica a capa da Revista REALIDADE logo acima, vendeu relativamente bem, ao contrário de sua estréia na Philips no ano anterior com "Volume 4". Mas os grandes best-sellers de Chico na época foram os LPs gravados ao vivo ao lado de Caetano Veloso na Bahia em 1972 e de Maria Bethânia no Canecão em 1975.
O caso é que os discos de estúdio eram sempre problemáticos. Na época, Chico queria desenvolver projetos conceituais. "Calabar", por exemplo, era uma peça teatral escrita por ele, que deveria vir acompanhada por um LP que funcionaria como trilha sonora. Mas a insistência de Chico em afrontar as autoridades nesse período acabaram malogrando o projeto. O LP "Calabar", com sua capa bandeirosa ao extremo, foi recolhido pela Censura e relançado com uma nova capa, toda branca, e um novo nome: "Chico Canta". Gerou um prejuízo considerável para a Phonogram, até porque o disco teve um encalhe espetacular na época.
A partir daí, tudo o que Chico submetia à Censura passou a ser sistematicamente rejeitado e sua vida virou um inferno. Apelou para um pseudônimo -- ridículo, Julinho da Adelaide --, com o qual emplacou apenas duas músicas e logo acabou desmascarado. A coleção de covers "Sinal Fechado" (1974) pareceu uma saída interessante para a gravadora na ocasião, mas só serviu para ressaltar algo que muitos já sabiam: Chico era um intérprete satisfatório para suas próprias canções, e um verdadeiro assassino de canções de terceiros.
Foi preciso um enorme esforço diplomático da presidência da Phonogram para que o enfrentamento entre Chico e a Censura, e vice-versa, chegasse a um padrão minimo de civilidade. Até Wilson Simonal a Phonogram aceitou em seu elenco para selar a paz com os Militares. Mas valeu o esforço.
O primeiro LP de Chico Buarque depois de tudo isso foi "Meus Caros Amigos", um sucesso de vendas e uma bela coleção de canções -- arranjadas por Francis Hime, responsável pelo tom coeso do projeto -- que alternava números extremamente politizados como "O Que Será" e a faixa título com pequenas obras primas como "Mulheres de Atenas" e "A Noiva da Cidade", ambas compostas por encomenda para teatro e cinema.
Daí em diante, sem a Censura em seu pé, Chico passou a compor por encomenda, abastecendo cantoras e também projetos teatrais como "A Opera do Malandro". Consequentemente, começou a ganhar muito dinheiro. Com isso, deu início a um período bastante displicente em termos artísticos em sua carreira fonográfica, pois ao abolir por completo o diletantismo de sua rotina de produção musical seus discos ficaram extremamente desconjuntados, virando coleções de canções quase sempre mal alinhavadas -- até porque o resgate de suas canções politizadas que haviam permanecido censuradas por vários anos raramente combinava com o tom de sua produção recente.
Estranhamente, mesmo com discos displicentes, o trabalho de Chico Buarque permanecia acima de qualquer critica, pois ninguém ousava falar o que quer que fosse do grande "Herói da Resistência" da MPB. E foi justamente nesse período que seu mau caratismo veio a público no meio musical por conta de uma intriga criada por Chico contra seu velho amigo Roberto Menescal, que assumira a presidência da Phonogram depois da saída de André Midani para a Warner, e estava incumbido de intermediar sua renovação contratual. Chico, descontente com os termos do contrato, se amotinou e tentou derrubar Menescal da Presidência da agora Polygram. Mas não conseguiu arrebanhar seguidores em número suficiente para alcançar seu intuito e desistiu, abandonando o elenco da Polygram e assinando com a recém-chegada BMG-Ariola. Menescal nunca mais olhou na cara de Chico depois desse episódio infeliz.
De lá para cá, na BMG e depois na Biscoito Fino, Chico seguiu em frente, sempre vendendo poucos discos. Seu público é cativo e fiel, mas não cresce nem expande para outros países -- exceto na França, onde mora há alguns anos e mantém um reduzido cult-following. Sua carreira literária passou a ser sua prioridade número um desde que a Indústria Fongráfica entrou em crise e seu faturamento caiu. Sempre que precisa fazer caixa, inventa uma temporada no Rio e outra em São Paulo. Mas odeia tournées. "Ir aonde o povo está" definitivamente nunca foi a dele.
Enfim: tudo isso é só para dizer que a maioria dos que gostam de Chico Buarque definitivamente não conhecem Chico Buarque.
Um ótimo exemplo é a maneira como Chico, que andava sumido, ressurgiu semana passada numa partida de futebol ruidosa armada com integrantes do MST -- entre eles, João Pedro Stédile e uma cambada de sindicalistas da CUT -- e Imprensa devidamente convocada no seu Campo do Polytheama, em Santa Teresa, Rio de Janeiro.
Raras vezes um artista consagrado com um passado tido como libertário demonstrou em público uma postura tão arrogante e vergonhosamente debochada.
Ganhou se Stédile um uniforme laranja de funcionário de plataforma da Petrobrás, fez a apologia da (desastrosa) gestão petista na empresa e agradeceu, dizendo, sem ironia: "Vou usá-lo por aí".
Até CD para o brucutu venezuelano carrasco dos Direitos Humanos Nicolás Maduro Chico Buarque autografou, sorrindo.
Diante de tamanha desfaçatez e falta de senso de ridículo, é bem provável que Chico tenha conseguido finalmente deixar de ser respeitado por todos os que -- apesar de suas atitudes políticas duvidosas e oportunistas -- sempre saudaram seu talento como letrista e romancista.
Ele que vá brincando de ser amiguinho de Stédile para ver o que lhe acontece. Não vou me espantar se, no primeiro período de vacas magras do MST após a saída do PT do Governo Federal, Stédile decidir trazer seu exército de invasores profissionais para ocupar "aquele latifúndio urbano improdutivo do Companheiro Chico", para que tenha uma finalidade social melhor definida, que não seja produzir o "ópio do povo".
O servilismo incondicional de Chico Buarque de Holanda para com o Governo Petista e seu projeto de se perpetuar no Poder lembra o de um certo Senhor de Engenho Pernambucano que se aliou aos invasores holandeses nos Anos 1600 para prosperar.
Quem diria que, a essa altura da vida, Chico Buarque viraria uma espécie de alter-ego justamente de Calabar, o traidor que ele ama odiar?
Pois é... e mais uma vez a história se repete como farsa.
muito bom o texto. s´[o tenho uma ressalva. O Chico é um grande compositor de música popular, e excelente letrista, mas seus romances são fraquíssimos.
ReplyDeleteuma chatisse só.