Tuesday, July 21, 2015

CANTO DE PÁGINA: A HIPOCONDRIA LITERÁRIA DE DIEGO VECCHIO AFLORA EM "MICRÓBIOS"



Há 25 anos, eu criei na Enseada FM, aqui em Santos, juntamente com meus amigos Luigi Marnoto e Sérgio Henrique Cuoghi, um programete de literatura com 3 minutos de duração chamado CANTO DE PÁGINA, onde todos os dias apresentávamos dicas de livros recém-lançados ou recomendávamos alguns de nossos livros favoritos. 

Durante os seis meses em que permaneceu no ar, CANTO DE PÁGINA foi um sopro de vida inteligente nas ondas do rádio da região do Litoral Paulista.

Pensando nisso, decidi resgatar o nome CANTO DE PÁGINA para essa nova seção de LEVA UM CASAQUINHO. 

A partir de hoje, traremos aqui todas as terças -- com a mesma leveza e descompromisso que o programa de rádio tinha na ocasião -- indicações de livros recém-lançados, ou de clássicos que mereçam ser lidos, ou simplesmente de livros de estimação.

Sempre bem distante do linguajar especializado empolado de praxe nas resenhas literárias tradicionais.
Quem acompanhou o noticiário da FLIP deste ano, com certeza ouviu falar de Diego Vecchio, argentino de Buenos Aires, 46 anos de idade, que veio lançar aqui uma curiosíssima coletânea de contos hipocondríacos chamada "Micróbios" (Casac Naify Editores), em que cada conto se passa em um país diferente, e cada personagem sofre de uma doença diferente. 

Segundo Vecchio, hipondríaco assumido, o livro é inspirado em seu afeto por remédios, e parte de uma premissa muito curiosa, e, por incrível que pareça, verdadeira.
Em 1768, o médico Samuel Auguste Tissot -- que era médico de Jean-Jacques Rousseau -- tentou demonstrar através de uma série de casos terríveis, que a literatura seria como a masturbação: uma prática que faz mal à saúde. 

Para Tissot, a leitura de determinados livros seriam o efeito colateral da anemia, da asma, da dispepsia, da difteria, de cálculos renais e da sífilis.

Com humor, tragédia e muito nonsense, "Micróbios" reúne nove casos clínicos raros e nada verídicos, "ocorridos" em diferentes países, em que os personagens sofrem de doenças causadas pela leitura e pela escrita.


São casos às vezes mágicos como o de Dorothea Kristensen, criadora de histórias que, quando lidas em voz alta para crianças doentes, as curam de imediato.

Ou casos insólitos como a da menina Kathy Ishiyama, que, viciada em uma determinada marca de balas de gengibre, emagrece até ficar pele e osso quando a bala em questão deixa de trazer em sua embalagem frases edificantes.
Os títulos dos contos lembram os títulos escolhidos por Sigmund Freud ao relatar seus casos clínicos por escrito. E a semelhança com Freud não para por aí. Avança pelos textos, escritos com o mesmo jargão médico utilizado por Freud.

É tudo muito engraçado, pois Diego conseguiu, de uma maneira muito peculiar, achar uma sintonia entre o realismo mágico latino-americano e a literatura fantástica européia, criando algo híbrido difícil de classificar e, por isso mesmo, absolutamente original. 
 Diego Vecchio é um cara brilhante e um escritor muito talentoso. 

Mudou de Buenos Aires para Paris em 1992 para estudar psicanálise e filosofia, e não voltou mais. 

Virou escritor e ensaísta, e leciona literatura hispano-americana e criação literária na Universidade Paris VIII, Vincennes à Saint-Denis.
Estreou como escritor em 2001 com o romance "Historia Calamitatum", inspirado no romance de Jean-Jacques Rousseau "A Nova Heloisa", fazendo uso dos personagens de Rousseau para criar uma história com um recorte homossexual.
Em 2010 lançou "Osos", uma narrativa fantástica que conta a história do garoto Vladimir, que, ao perder o seu urso de pelúcia, não consegue mais dormir. Para acabar com a insônia, Estrella, mãe do protagonista, compra um novo urso, que ganha vida. Mas a insônia não é curada, e Vladimir e seu urso passam as noites acordados, trocando e criando histórias.

Só nos resta torcer agora para que "Micróbios" tenha uma boa acolhida nas livrarias brasileiras.

Quem sabe assim a Cosac Naify Editores se anima a comprar os direitos de seus outros dois livros e traduzí-los para o português? 




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